convite

já não sei bem dessas de fim-em-si
escrevinhações... eu as tomo como meio
sua direção estaria em chamar os leitores a perto
convites: escrever convites
convites para uma certa festa que daremos juntos
em que escreveremos as grandes literaturas
(que nada passem de convites aos deuses)

- pois então: quem se voluntaria?
daquelas angústias; faltas de rumos
que caminhos novos estas letras me abrem?
não se sabe. por que isto? por que isto?

há algos que devem ser mais alardeados por aí:
as escritas precisam sair do papel branco;
que saídas encontrem, que saídas inventem
a escrita para sair da vida de papel branco
(a vida de branco)
(a vida em branco)
não basta escrever na vida,
pegar sua caneta e ficar desenhando no ar até que o vento leve:
esta escrita precisa sair do ar e entrar nas paredes,
precisa sair dos bloquinhos e seguir braços adentro
escrever nas linhas mas também nos sangues e sons
de forma que as próprias palavras ditas estejam pichadas, rabiscadas, fragmentadas:
o mais importante das canetas-tinteiro é as manchas na mesa,
os respingos nas roupas e nos dedos,
que denunciam: inventei.
auto-invenção, auto-construção,
auto-fabricação de corpos novos todos rasgados em imagens
imagine aquele dia em que você veja alguém sem nome lhe perguntando 'que horas são'
e note, gritante, nos trejeitos de suas sílabas,
no escoar da língua entre os dentes,
no próprio matraquear das idéias nas orelhas:
toda aquela multidão de falas tentando porque tentando sair;
uma horda de impossíveis revoltas às horas e ao são,
uma vibração de incomum: um 'que horas são' que se ponha de pernas pro ar: para sempre.

obrigar a fala do escritor a rebentar
obrigar suas letras a afogarem seus olhos
que ele não consiga mais ver o mundo igual:
que isto aqui tudo tenha algum sentido (por favor)
que não sejam floreios, ah! que não sejam floreios!
que não sejam poemetos de jornal,
embelezamentos fáceis de uma vida imóvel, conformada:
que seja sísmico; que seja tectônico;
que trema lá nos fundos dos refundos das almas
que se desagüem em novas formas de respirar
que as letras saiam da página, que escorram livres
que saiam de mim: que entrem em mim: que soem.
escrita escrita ita es crita escrita
esgrita grita escrita grita es crita
irrita a escrita irrita escrita a rita
escrita rita rito escrita escrito
esgrito mito minto escrito crita emito
irrita tinta rito extinto
trinta extinta tinta rito mito
escrito ita escrito inscrita
escrita imita o mito escrita ita limito
esgrita escri grita esgrima esgrima
esgrita es grita escrita escri es
cria ex cria crio escrita cria
rio escrita ria da cria lia rio ria rita
escrita cria rio lia escrita
escrita ria reta creta
excreta creta dis-creta diz creta
creta ria escrita reta
escrita reta veta via creta
escrita meta excreta
metaescrita da escrita reta reta
escri ta reta escri-crita reta
es crita grita esgrime rita crime reta
excreta escrime prime rima reta
esperta imprime prima ex creta
exprima rima esperma perma
escrita vita rima esperma
escrita crime exprime merda
exprime crita escrita impri
mescri ta cricri
escri- cri - escricri cri escricri
escricristo cristo
escri cristo excreta
cristo grita escrita veta
escri ta es criba escreva
escriva escrita viva
escravo cravo escravo criva
cravo cribo cabo encabo encravo
encapo escrita capo
escrita capa o escravo vivo alvo
escrita calpo escalpo escalpo
mesquita equita esculpe escrita culpe quita
escrita esquiva
escavo escravo criva rato
escrita ato es scrita salto alto
escrita cita salto ita ita
escrita cata quita o alvo salvo
escri va bica cava es calpo
escrita ita escri te escrito alvo escarro carro
escravo carro escarro esbarro
escravo viva vivo
escravo escrita
escrava
escrava
viva




a anarquia está refluindo

bastava deixá-la a si mesma,
suas memórias-mesmas repetinindo estilo
que iam-se perdendo em resmungos e rascunhatos
as duríssimas liberalidades de folha-de-papel-em-branco.

oh! infindável limpar as folhas de suas manchas!
se logo crescendo fungos pelas bordas,
as folhas tão manchadas de bege;

abrir terreno! explodir as velhas linhas negras circulares
velhas linhas grossas, pretas, resistentes
que me soam cordas e correntes atando os desejos de escrita:
tanto cabelos negros que me entopem os ralos,
impedindo os escoamentos, os deslizes, os rios.

eu nasci em um grande campo negro
regido pela Lei do círculo:
palavra circular, palavra-espelho, palavrarvalap.
e se por tal mesmo nunca proliferei,
encolhido por esse vômito de pronúncia;
se então atirei o escuro por longe - resolvi começar-me um nada
escrever um nada e deixar aflorarem muitos os pequenos vícios encolhidos;

mas ainda o lugar onde se escreve é como jardim:
e logo as livres mudas palrando novas de raríssimas
nunca dantes vistas em suas formas e desleituras
inventam a dominar-se regovernadas! e já sufocam;

uma escrita grande desmatar, desconstruir, desfazer, deslocar, desgovernar,
tudo a grande limpeza de tudos aquilos lânguidos que façam tamanha força por marcarem-se em papel;
tudo libertar os pequenos, os menores, os infinitos:
que meio vão-se em surgindo acidentalmente
e pelos cantos, pelos desinteresses, pelos vazios;
espontâneos: tão infinitos

grande motor da anarquia a mira na destruição, iconoclastia.
pois se construir, se dá no não-visado, só se dá no não-olhando;
escrito, ex-grito,
encarnando esse subterfúgio de apontar tudo alvos que rasgar,
inimigos que romper, que deixar;
largar as letras sós borbulhando em não regidas por grandes Leis
garanti-las dispostas em certas arquiteturas,
lhes interrompendo as fugas fáceis àqueles tão enfadonhos,
tão chamados lugares-comuns, de maus-hálitos
deixá-las soltas assim: esquecidas,
que por aí revolvam suas novidades de se ser.
não me venhas irritar com teus lugares-comuns
'ah pois que tu escreves sem sentidos'
vão-te à merda
livros
livres
libras
lábios
ivres (toujours ivres!)

lombrigas.
entortear palavras possui se muito tanto dum ritmo gostoso de sem-conteúdo
lhe nem chamo de floreio: que nem possui haste a se guiar;
bando de desmesuras engrandecendo mil nadas
só sorrisos letrados, sons impronunciados se escorregando entre os dentes:
meio quanto sem-sentidos: perdendo os sentidos: desmaiando
bolhetas de ar fluido repassando entre os palavreados
entre tantas engrenagens de incomunicação
que lhas façam girar sem rangidos
com rangidos
som bonito dos pliqueplaques da linguagem ressoando as rodas lentas de sua velha carruagem de mentiras, até despencar do penhasco bonitamente, naquele vôo veloz dos pássaros atirando-se às mortes improváveis do pouso fim.
se um mês sem escrita
não tenho desculpas
se me liberto em fragmentos
me permitem agüentar mesmo os ritmos tão ralos
inda assim m'escondo!
falseio.
tropeço. indigno!
revolto:
volto a screver aqüi.
andar de olhos fechados pelas ruas
sempre conto vinte passos e não agüento
às vezes pouco mais, quando uma parede que me guiar
mas muito tanto dez ou quinze,
se atravessar a rua, obstáculos, perigos
mesmo cinco! ou três!
extrair o máximo de silêncio dos olhos
caminhando em sonhos,
largar-se nos mundos oníricos:
deixar os olhos para o que lhes valha a pena.
tornear as escadas e travessas
se de tão soterradas em vislumbres repetitidos
já são muito engodo afagando lentas as imudanças:
lançá-las ao espaço:
ao longe
ganhar todas as aventuras de um andar cego maravilhoso.