há que sentir na barriga
quando a barriga gritar muito
você se pegar olhando para baixo
que diabos está dentro da minha camisa
o umbigo te olha de volta
fazendo caretas doendo sorrindo
dá um soco nele, xinga tudo
rola no chão
vira uma confusão
de roupas, de cabelos, de punhos

há que espernear muito
tanto tempo você me foi tudo que eu sempre queria, eu te vejo e sinto teus beijos gostosos em todas as minhas peles e lábios orelhas narizes, você me passa as mãos e os carinhos em meus redores inteiros e eu sinto! já foi tão bom, ah como você era linda, linda linda, hoje seus afagos nada mais são do que memórias me roçando as bochechas úmidas com teu contato prolongado, como te amei, enrolo meus braços em ti mas nada sai deles, nada novo, só sinto-lhes antigas, d'outros tempos; te mordi e mastiguei inteira, tivemos tantos filhos! e eles se foram, e nós cansamos, hoje somos talvez estéreis juntos e eu preciso ir atrás de outras - outras como ti, bem sei; e sei que és só isso, infinita nos poucos segundos e nunca mais. meus segundos passaram, não conheço se voltam.

assisti à performance de dança

bem me quer,
mal me quer,

saíam dedos dos olhos e da boca enquanto ela vomitava pelas pernas o resto do corpo fora.

no mais, quase uma ciência
passeava os dedos nos meus cílios
e eles faziam caras feias
saía um barulhinho, tímido

te senti roçar meus olhos
te senti concre-ta-mente
as pálpebras fechadas, os cegos
mas os cílios bengalas de tato
te apalpei com meus pêlos e você estava

o barulhinho, tímido
de você existindo.

levanta-te e fala

o maior mudo de todos
ele não era mudo: era mutista
porque mudava voluntário

é claro que não deixavam
e ficavam lhe perguntando
lhe indagando as mais bonitas
as mais filosofias
ele num silêncio audível

levaram-lhe para o tribunal
julgar-lhe por seu silêncio
julgar-lhe por omissão
fizeram-no falar
o rei dos mudos falou.

o grande discurso deste rei dos mudos
era tão horrível
ele falava mal, suas palavras eram meias
era tudo sempre na metade, meio capenga
gaguejava cuspindo, voavam salivas longe
era quase nojento

ele odiava falar
dizia isso, mil vezes, mil e duas
ele falava e falava quanto odiava falar
ele falava com um ódio...
com um ódio da própria fala

havia tanta ira em cada letra que lhe roçasse a garganta
tanto ódio multiplicando, desabando
ele gritando de dor, gritando que gritava de dor
era horrível, era infinito
quanto mais falava mais doía
mais odiava e falava do ódio berrando
berros sobre berrar os berros
ele estava em combustão

as sílabas, lembro da vez,
perguntaram-lhe por quê
como por quê? todo porquê é falado
pensava eu
mas nessa hora ele engasgou
o juiz bateu o martelo e soletraram seu nome, lentos
ele ouvia com as orelhas girando
sua boca mugia tão grave que a mesa vibrava
perguntaram este é seu nome
a garganta dele se contorcia
começou a arrotar a primeira resposta
mas o atrito foi demais, e explodiu

todos que saíram de lá
viraram surdistas
que os sons do mundo já lhes doíam mais que mais

(a bartleby)

mãos

minhas mãos nos quadris
pare de roer as unhas e minhas mãos te tiram as mãos da boca
percebi que odeio mãos

minhas mãos tortas que não sei onde pôr
sempre vão para os quadris, eu paro pensando, conversando
nos quadris, fico tão angulado, os cotovelos apontando
as mãos nunca sabem onde ir

eu te olho e as tuas estão na boca
as minhas sabem onde ir: elas te interrompem
pare de roer as unhas, pare!

as minhas mãos me agarram os lados da barriga
elas te agarram teus pulsos lindos e os arrancam da boca
pare de roer as unhas, pare!
eu nem notava que eu fazia isso

minhas mãos pousam assim, me apertando
meus cotovelos apontados como asas de galinha
minhas mãos grosseiras agarrando nas tuas,
eu me imponho em ti sem nem perceber
sou horrível, sou anguloso, sou imperativo

pare de roer as unhas, eu te ordeno!
quero mandar nas tuas mãos
já que não mando nas minhas

talvez por isso eu fume
talvez por isso eu roa as unhas
talvez por isso eu goste dos bolsos
- é para salvar minhas mãos

vou adotar uma nova política de mãos.
exercício 1:

olheie algo,
delire-os.
parar para falar
nossa estou tão louco!
é ser menos louco

'estou sentindo
a sensação mais bonita
dos quatro universos!'
é que não sente mais

falar, é dos fins
falar, é fim
que interrompe delírio.
entope a garganta bêbada,
com palavras grosseiras,
que se por um lado talvez mintam tudo
(e disso nem podemos culpá-las, pobrezinhas)
por outro jorram aos borbotões
ininterruptas, represa ruindo.

e nada mais de gritos ecoando internos sem sair
nada mais de ecos dos soluços da alma
rugindo ampliados no estômago vazio.
a boca aberta e as loucuras fugindo
a boca aberta e a alma escorrendo, como baba.

na superfície

ei, motorista! abre a porta
como no ponto? abre - a - porta
o ônibus tá parado! tamos a 1 metro do ponto
abre a porta, porra - por que você não abre a porta?
não vai abrir, ooi, abre a porta
sabe o que é isso? hein? tá me ouvindo?
eu sei o que é isso! (abre logo a droga da porta)
você tem é medo de mim, motorista (abre, abre)
medo. (tá me ouvindo?)
sabe, você acha que essa porta te livra de mim
que do alto do teu assento de piloto
teu mundo todo gira em eixos bonitos
bem longe do teu controle. só abre a porta no ponto.
você nem decide. (pelamordedeus aaabre)
eu parado aqui. sabe o que é isso?
você quer uma camisa de força, ouviu?
você tece com linhas de docilidade dos outros
com as linhas finas e maleáveis de todos dóceis
você não agüenta um fio de serpente irracionante
que te obrigue a abrir a maldita porta fora do ponto
que te obrigue a furar o padrão-rei da tua vida
ah, e não é que você seja dócil
como ficam dizendo os arrogantes dos nietzscheanos
não, você não é dócil, você não obedece
eu vou correr pro próximo ponto
e te pegar a tempo seu desgraçado
vou chegar sujo e suado
com ódio exalando
enxertar um pouco de pedestrismo no teu ponto
talvez eu corra a pé toda linha de ônibus
só pra te deixar louco.
sabe o que você é?
você engasga com linhas de sonho
que te cortem teu ônibus em dois, em três, em mil.
você se embola nelas, seu puto.
quando cruza com pessoas andando em música
quando quase atropela as pessoas ouvindo chão
você é chão, seu muito-certinho-determinado,
você se faz chão que o pé de todos pise
faz todos pisarem chão, teu ridículo
você é empata delírio, isso sim
piloto de uma nave empata-delírio.
às vezes tudo que falta é desculpa certa
nós tamos na beira
e temos coragem
mas falta inda quele empurrãozinho
espécie de capricho metido
só pro orgulho ficar por aí, se achando
que o orgulho é mesmo muito faceiro.

os suicidas de escorregão
as avalanches de soluço
as mortes de peteleco

todos foram meio assim,
podiam ter sido meio assado.
um tropecinho qualquer,
uma vida qualquer,
por que não?
idéia muito esculhambada que me vem,
sorrateira,
cochichando nos meus ouvidos;
e quando olho para ela:
nada. e nada. vazio.

se vão passando os dias,
e ela lá, paciente..
cochichando, cochichando.

sensação de que esqueci algo antes de fechar a porta de casa;
intuição de que é melhor sair de guarda-chuva hoje;
palpite sem delongas,
que me raciocina assim qualquer,
casual, acabado, e lá-se-foi;

diabinho no meu ombro,
me esperando virar a cabeça
pra pular dentro, e virar mundo.
língua-lengua

não precisa, não, não, é tão calmo, é às noites, é preciso, é preciso, navegar é preciso viver não, já diziam, já diziam, vai ser sempre, você é tão sempre, você é tão sempre! ai que eu te amo, eu te quero sempre, sempre você

vã guarda

antigamente
as gentes
ficavam muito muito muito
quando viam
seu fulano
fazer uma bagunça daquelas.

eu não sei bem
se sei se não,
quê isso, menino!

sou tão burro
nós semo tão vagabundo!
bundeantes,
é o que dizem.

i as bagunça
si se ocorrem
ficam bem mudas
secas,
lá no cantinho
nem vi.

ai!
fico feliz
i saio na rua
a gritar feliz
os nomes todinhos
só de te ver
cantar-te azul
pintar-te pinta
saber-te qualquer coisa

quem me diz
se isso tem
zil anos ?

eu hoje digo
hoje isso é hoje!
eu sinto hoje é na barriga
a barriga hojeando doida
me carrega às rua
eu nem sei bem
oi barriga,
vamos dançar?
a língua
se abraçando
todinha
de paixão

rebolando
na boca
tropeçando
as letras

ela quase pula
sai dos dentes
faz-se chão

ela germina
língua nova
língua-lengua

palavreado torto
de borbotões
hiperbólico
o-no-ma-to-péi-co

um dia assim
talvez quem sabe
é bem possível
se mesmo for

que isto
tudo
tenha
um
nome.
estou vendo algo,
eu acho
lá longe, meio embaçado e troncho
oscilando, e eu nem presto muita atenção.
eu vou pra lá, meu amor
eu acho
e quero que você venha comigo
como dizem por aí
todo dia toda hora