Tenho medo do vento. Pare, vento, de soprar tão forte! As árvores vergam, levadas pelos seus chumaços de folhas, como velas de navio. Não, são os navios que as imitam. Pare, vento, de soprar tão forte! De estalar a casa, e apertar as portas, as janelas. Deixe o que está quieto, estar! Deixe estar! Pare, deus do vento, ó, deus do vento. Parece sempre que tem gente aí. E não terá? Vento! Que susto você me dá! Não consigo o sossego com você soprando! E a casa toda em ruídos. Movimentos. Que fantasmas voam por aqui? E se, e se é certo, e se é justo o inverso, e se são as árvores a soprar e dizer, a espirrar em nós, afoitas e com seus galhos carregam o ar e nos cobrem? O som parece a chuva, tocando gotas nas mil folhas. Mas vem em ondas, emergências, urgências. Como se houvesse Algo que se pudesse fazer. Me deixa à espreita, alarmado, esperando. Esperando nada. Com medo. Medo do vento que sopra tão forte que uiva. Que bate portas e derruba árvores. Que vem do céu! a raiva dos ares. É só o ar, escorrendo de um lado a outro? É mais. É um medo na terra. Um medo do vento que vem invisível com seus dedos de frio nos assustar da cama para esperar, em prontidão, que ele se vá. Que o ar se acalme, que o invisível largue suas raivas e se acomode. Oxalá seja logo. Oxalá dure pouco. E se escrevo, peço, que seja logo. Que o vento volte a dormir, e eu possa, novamente, dormir.
Em Harmonia, quando não precisarmos ir a parte alguma, os carros serão brinquedos de freiada, do gosto do seu ronronar. Atolemos alguns para ver a roda cuspir terra, afoguemos outros para borbulhar fumaça n'água. Sem combustível, serve de armário e pra esconder gato debaixo. As crianças vão adorar.
No início só havia gado e galinhas
tudo era prédio, a perder de vista
enorme massa de concreto, e criadouros
dos animais comestíveis. Eis que
principiou a decadência, novas
galinhas transgênicas, voavam, piavam
faziam ninho no topo do edifício
que por sua vez ruía, virava areia. O mar
apareceu dum enorme vazamento
na fábrica de água. Um cano estourado
para horror dos ambientalistas. E o desastre
somente aumentava, e derrubava
parte dos quarteirões bem-alinhados. A praia
começou na portaria, e foi crescendo.
Peixes de aquário fugidos, viraram tubarões,
antes produtos kitsch, de brilhar no escuro.
Muitos robôs perdidos
e corroídos, perigosos, contribuíram
para a selva. Ferrugem, energia solar,
mais uns quantos em coma, vegetativos,
cresceram musgo e fotossíntese, corpos dormentes,
daí veio as árvores. E as galinhas,
de bico cortado, fugiram
nos mais variados estilos, umas
de asa grande, outras correndo, nadando
sobre dois pés, as mais altas,
já nem cacarejavam, riam
os ovos chocando do lado de dentro
criando nos ninhos, de palha, paredes,
até criarem domésticos, uns animais
humanos, de engordar
e comer.
Ele queria foder muito seu carro
enfiar o pau pelo cano de descarga
roçar o aço, o pau no buraco da gasolina
no motor, encher o estofamento de porra
Eu? sou um sangue
tinta de carne
um resto de tinta
sedimentado, num canto do quarto
juntando
como uma poça dágua escorrega
pra dentro da cama
A cantora de ópera tem
na unha do pé uma cor:
ESMALTE! ela grita, soprano
o braço branco do dinheiro
milionários risonhos e maravilhosos
Completar o engradado

- geometria alcoólica
desafio estético -

são vinte e quatro garrafas
de felicidade
de seu carro vermelho
parada na estrada
gordinha senhora
abana, frustrada.
Página vazia,
bem-vinda ao não ser!
Compreendo teu esquecimento,
teu relegar ao tempo,
teu subjugar à memória
e ao vento.
Sou também perpétuo desfazer!
Deleita-te no teu leito de telhas leitosas, ó luta tardia, duelo do tudo e do dado. Dadaísmo de tolos, no lodo do labutar, baloiçantes de lombos, balidos, mar. Nego-te, senão, nem pensar!
Barulho: em alemão
barulho é Barulho
com B maiúsculo - mas eu
tenho um verbo e
eu barulho e o barulho
do meu verbo é
minúsculo
Duvida que eu faça um poema?
É assim: teu sorriso gira.
Alguns dizem que é a meia-lua rindo
a simples beirada da lua cheia - eu não.
Sei bem que está ali escondido
um círculo inteiro
rodopiante redemoinho
engolindo navios desavisados;
e que seus olhos são dois torvelinhos
infindos que o cercam;
e fico eu navegando
nos oceanos irrequietos
girando, porque seu sorriso
é a lua cheia escondida
me tragando e me engolindo.