quando nasci
nu
engatinhando leve e
encharcado de frio
com a torrente azul sobre minhas faces
que nem sabia respirar
enxertado numa nuvem viva

quando fugi, em quatro patas
do cone de luz e água
do poço de verde e nada
meus pulmões marinhos
meus dedos de lama

eu engolia azul e fumaça
fantasma
e me vestia de aires crus

lavado dos pés à alma
meus olhos lacrimosos,
meus cortes nos pés,
minha vida,
tudo: enxugado embora

daí então, recém-nascido
pousava os dedos no mundo
gritando: vida!
sou um grão de areia que geme: vida!
se vou dormir
por milimuitos
anos,
eras,
hibernando como gelo
e minhas marcas
ocultas
sós e atrofiadas;
nascer do sol, extravagante
como um vômito de delícias
zomba de curativos
e irrompe
sua luz traiçoeira
no rasgo que me lambe de face a face
e me denuncia: moribundo!
bastou simples clarão
para saber
da morte certa (tão adiada)
ou encontrei,
nestes meus sonhos
linha e agulha
que suturar?
ven-daval
vem, vestido em negro
e fumaça
vaga, confusamente
nos redores, e tudo é campo minado.
ranca telhas
roupas
mentiras, olhares enviesados:
não! só resta então
nudez crua do vento
do tempo que nem passou
daquele furo,
rachado, crescente
no finíssimo globo de vidro
que me cercava toda vida
toda ela.
vento
que me rouba o cristal da mão
e o faz espatifar ;
ou vento que cessa
(mas que então
e o buraco?)
nariz em riste
leme de navio
arriva, singrando aires
herói mítico, místico
invencível hoje
noite de glória e tudo mais.
membros profundos
esguios
feitos de branco e sal;
corpo desnudo
de guerra e cicatriz;
pousando suas patas afoitas
suas botas de mil-distância
seus cabelos nórdicos,
bárbaro,
sobre aldeia de areia e lentidão.
lar,
doce ar

torres (ainda rascunho)

quando em lamber as línguas divinas
que os deuses do vento sabiam dançar a nossos redores
meus membros de vela sonhavam-me outro: navio,
estalando inteiro em rangidos de cordame
sob a avidez súbita da vida em me ter;
e lançavam-me no longe, no infinito
embebido nos hálitos do mundo, pipa humana
úmido dos orvalhos da saliva aérea
que se me agarrava nestes cabelos esparsos
- atirados em formato de sol -
pelo topo de um monte chamado universo;
Eu me sabia antena telúrica, pétrea
do espasmo límpido de ondas e ondas de
cavalos alados preenchendo as bordas do céu,
e singrava mares de cor e aurora:
Saúdo-te, mundo tímido
que me vislumbre em duas minutas de tempo
e passe ligeiro, rumo a teus muitos reinos que conquistar.
Sonhava, os teus lábios massivos de fogo
em beijos largos aos azuis celestes de paixão;
as tuas faces enrubescidas de nuvem,
e risadas gratas descorridas na onipresença
por sobre neves roxas que me acordavam feito adeus.
Desfalecente em teu leito duro hostil
enrolava-me sereno, nos grossos cobertores
dessa abóboda radiante ou purpúrea
pátria efêmera de mil biologias gasosas;
e meu próprio hálito, intermitente
tanto pairava por sobre as vestes
como um fumo raro, fantasma bem-vindo
alertando-me dos preços gelados; meus olhos vazios
dardejados de lágrimas, estupefactos
como feras famintas a espreitar
flutuavam, impossíveis divagantes
deitando-me em colchões de nada
que apertar-me o peito, que abraçar-me
alheios às investidas pesadas do chão,
e soluçavam: Vento! deus da paisagem,
que quase perco, nas indistâncias findas
sem pó que te me fizesse sólido:
Lambe-me como se eu tivesse gosto
de vida, de simples existo, humildemente
lamber minha língua,
a roubar-te inteiro em meus pulmões de furto
encarcerar-te, nestas prisões ligeiras que sufoquem
que me fazem tua carne, Imensíssimo
no enxertar-me pelos teus braços largos
fazendo parte o meu próprio peito
dos teus membros infindos de tornado
ao respirar do teu vasto sangue, e eu borbulho
espumo como se, líqüido, pudesse tornar-te
mais Humano! e neste oceano
de cumes e áridos, colossos, ruínas
minha alma repousa, pesada deriva
poluindo possessa, com tantas palavras,
a tudo! doravante lembrado,
pisado ou rasgado: Lembrança! é teu nome.
E se me manchas a pele, me desenhas o rosto
marcando-me eternamente gasoso
com teus choros de espuma, teus cuspes, teus cortes
de que bebo ávido - perversamente incrustrado
como intruso, neste desfile febril -
navego altivo, Espelho inviável
da glória ímpar que me desferes
do brilho que me irrompes às bocas
em elas mesmas engolirem-te em recitais;
e se me tapas os ouvidos, arroganteante
com teus murmúrios lúgubres de espectro vago:
valho-me então de nomes, lançando-os a esmo
como espadas, em leque, a te louvar