gostas de festa? que pergunta.
não, eu prefiro os enterros.
beerdigung.
quem é o poeta louco?
o poeta revolucionário, poeta-elfo;
aquele cujo poder de fascinação é sem limites,
e ele sai a hipnotizar todos com suas palavras macias,
e todos querem sê-lo; e também os netos destes,
pois que o que nele encanta é a evidência de sua revolução?
quem é? ou quem seria - preciso saber,
porque quero ler este poeta!
sabe-se facilmente que a escrita abarca essa potência encantadora;
é lógico! é natural!
por que então não nos é dado imediatamente essas palavras fortes,
que nos farão saltar os cabelos:
a alta poesia dos que nos dão choques ao coração;
que nos faça viver! que nos faça viver!
queremos a poesia elétrica!
lênin disse: o comunismo é sovietes mais eletricidade
para fazer a revolução em nossos hábitos mortos,
esfregar essas camadas cinzas de fuligem acumulada no dia-a-dia,
e esquecer todos os minutos soníferos da vida,
precisamos abandonar as vidas velhas!
as vidas-mesmas!
as vidas-vidas, vidinhas;
ah,
precisamos de poetas que lancem seus poemas como granadas,
e todos gritem de felicidade com a explosão colorida que dali sai.
não! que somos jovens,
queremos festa,
e dane-se a hipocrisia dos que pensam muito, até sufocar.
façamos arte! (esteja lá onde estiver)
façamos irrealidades, pintemos o mundo;
não, não fiquemos loroteando a poesia dos que gostam de lambuzar o comum com temperos doces e agradáveis,
- odeio todos que se dizem poetas por dar nomes belos às mesmas coisas;
daremos nomes mesmos às outras coisas!
faremos poesia no embrulho dos fogos de artifício,
e choveremos fogo no céu estrelado,
desenhando constelações outras - para desespero dos astrólogos!
onde estão os poetas que quando lemos, saltamos da cadeira, em susto,
os poetas que começam seus poemas com um alfinete nas bundas,
e que os leitores gordos levantam-se e põem-se a pular de gemidos!
os poetas que leremos abrindo outra garrafa de vinho!
os poetas que recitaremos quando jogados na sarjeta,
e ficamos estirados sorrindo,
e nada existe no Tempo, e tudo é invenção.
bachelard estava certo
em procurar essências do pensamento filosófico profundo,
que se passa a nível de sonhos e associações livres (libertas!)
lá no ar;
em suas nuvens,
em seus sons,
que mais-aproximam-se de toda a experiência revolucionária.
imaginem só o prazer dos demônios,
que por onde passam deixam pegadas fumegantes,
olham para trás e vêem os tons fortes de vermelho e laranja,
e os tocos e restos ainda em chamas das casas de literatura dos velhos titãs.
e baudelaire um dia falou
aos altos brados em seu bordéu safado
com seu sotaque francês imperialista:

"il faut être toujours ivre!"


senhor charles
devo declarar-te
uma feita que m'atormenta as noites de boemia:

estamos sempre bêbados!
nous sommes déjà toujours ivres!
miller estava certo, do topo de seu moinho moedor de garrafas de cachaça.
ficar bêbado com água é mais barato, seu francês metido a capitalista

pelo potlatch revolucionário na escrita

bataille,
o homem com nome de guerra,
me avisou um dia, num bar, em que eu bebia:

"cale essa boca seu garoto maldito e estúpido!"

ao mesmo tempo em que enfiava uma faca em minha coxa,
e me puxava os cabelos até a lata de lixo mais próxima.




este aviso profundíssimo,
demorei anos a compreender.


bem,
que recentemente,
em meus passeios mancos pelo mundo,
descobri talvez uma hipótese interpretativa,
que enaltece o gênio do mais-sábio-de-todos
e justifica esse seu comportamento agradável,
como de um mestre que me provocou gordos ensinamentos
e aí vai ela:

"
viva dizer não ao escrever para acumular trocentas obras !
não aos que provocarem a avalanche bibliotecária,
das estantes gigantes com o mesmo nome em cada página;
que afogam os pesadelos ,
e deixam tranqüilo às noites,
impedindo os magníficos choros debaixo do lençol,
quando, enrodilhados, trincamos os dentes inconscientes!

não!
viva a escrita que se faz arquitetura de aviões de papel!
atirar bolas de literatura na cara dos transeuntes,
irritar-lhes os olhos com o vapor de tinta fervente:
guerra de letras!
escrita de gastar,
para construir uma montanha de livros - e queimá-los numa orgia descritiva!

escrever nas paredes!
escrever na areia da beira-mar - vou escrever a recherche inteira enquanto procuro tatuís!
escrita de pegadas a serem levadas pelo tempo;
e que se danem essas imortalidades acumulativas,
porque com mais de trinta segundos de tinta secando elas já são palavras velhas e conservadoras, inimigas da vida saltitante e irritante das canetas ágeis!

e dane-se o escrituramento-sustentável!
um nada de produção!
seremos inúteis - e abaixo o conceito de utilidade dos economistas tolos!

ah, e quando velhos,
com mil anos nos olhos,
olharemos para trás e veremos um enorme incêndio.
uma vida que seja um incêndio de páginas!
alguns querem olhar para trás e ver um tapete de folhas de papel, e enxergar o mundo em termos de papel, e adorar o papel-deus, que lhes permeia os olhos tornando o mundo inteiro texto; ah!
enquanto aquilo que nos dá fogo aos olhos,
e eu garanto, dá fogo às próprias idéias que nos conectam imagens mentais em seu samba literário;
é o incêndio!
escrita-incêndio!

a escola literária baseada na fumaça!
dos grandes escritores viciados em cigarros,
que só se sentem felizes fumando seus livros densos,
e em vez de tabaco fumaremos letras,
e seremos um bando de infinitos,
atirados a esmo pela superfície do globo,
enquanto este se auto-afunda,
numa grande desescrita miraculosa que fundará a nova bíblia e a nova era de desinvenção."
alguns me perguntaram uma vez
como diabos os pássaros vivem,
como os animais agüentam esse mundo,
se "não têm tv", é o que quase dizem;
e bem que sei que poderiam bem se referir
ao fato de saberem os animais passarem todos os dias iguais,
perambulando pelo esmo-a-esmo do sempre igual,
étrangers, dir-se-ia !
dizendo-se monotonamente:
'bom-dia-como-vai '
'bom-dia-mamãe-morreu '
e afins.

eu rio.
(pobres animaizinhos que habitam os zôo-lógicos destas cabeças!)

mas que então, nessas ocasiões de muito supérfluas,
respondo bravamente, com uma cimitarra bárbara em riste
(para a qualquer momento responder aos seus trejeitos cortando-lhes a cabeça) :

meus caros colegas, e amigos e dançarinos ,
convido-lhes a dissecar de perto as belas orelhas dos lobos e das águias,
e agora ponham-nas em seus pensamentos,
e escorram areias do tempo e os ventos de mil-mares em suas mentes.
que música irão ouvir?

nunca perceberam,
que ao sair nas ruas gélidas,
sentem os ventos roçando-lhes as extremidades,
tentando dizer-lhes uns algos ?
(que talvez indecências e obscenidades, pois que os ventos são grandes servos do dionísio)

se tivéssemos as antenas capazes de captar-lhes as freqüências melodiosas,
ouviríamos aquela rádio poderosa do reino animal,
que passa a tocar em brados absurdos,
e em gritos de horrificar as mais belas esfinges egípcias,
a música-vida, da qual todas as que conhecemos são primas libidinosas,
e que reverbera nos ínfimos nervos e fios de cabelo,
entortecendo a alma, fazendo-lhe uma massagem enforcativa,
masoquismo de mais alto grau.

e daí não nos espantaríamos mais com a apatia animal frente a tudo que lhes ocorre na carne:
pois que estão em transe musical-dionisíaco,
batendo seus corações em ritmo (e como batem os corações dos passarinhos)
em suas velocidades loucas,
saem a pulular os céus em sinfonias dissonantes;
são grandes artistas,
surdos às nossas ordens regadas a docinho e cubo de açúcar,
procurando as correntes de ar mais coloridas, mais saborosas, mais musicais

voar é como tocar numa orquestra,
porque o vento é um instrumento subtilíssimo,
de que todos nossos aparelhos musicais tentam laboriar,
mas que com asas poderíamos fazer-lhe dizer as mais coisas!
as mais coisas!
as mais-coisas!
as maiores potências filosóficas estão em meia-dúzia de balanços que se fazem nas palavras.
meia-dúzia de ovos a atirar nos velhos tarados empoeirados,
saindo de suas tocas-templos a caçar a juventude de gramáticas errantes,
de sintaxes errantes.

e que matem a filosofia dos velhos!
faremos um nada de dialética,
um nada de análises laboriosas infindáveis que só dão sono aos alunos bêbados;
deixemos aos computadores, com suas ágeis garras a invadir nossas mentes e tentar mecanicizar o pensamento
essas tarefas inglórias sem necessidade de nossos aparelhos de geração de inconstância,
nossa microfonia natural,
que pira o som constante dos bips e bip-lips das máquinas de comer idéias.

filosofia da grande caixa de som gigante,
que com seus urros graves,
estoira os vidros dos conceitos,
pondo mesmo a própria essência do pensamento - a balbúrdia!
a dançar (enquanto seus pulmões arrebentam)
texto-jorro!
porque adoro hifenizar o texto
já que sempre me surjem significados novos

entortar as letras - talvez seja um dos poucos caminhos para fazê-las dizer o que não querem
torturá-las: no velho sentido dos inquisitores, de colocar palavras em suas bocas
e submeto-as a torturas e choques e afogamentos,
vou pegar alicates e dobrar suas extremidades

sim!
pois que não me importa
nas minhas crenças gostosas (bem açucaradas, com gosto de guloseimas de padaria)
basta passar repicando a mente
é a maravilha da caneta liquidificador
o papel triturador de alimentos
enxertando a mil-realidade nas suas arestas não-depiladas
- fazer nascer os monstros de escrita!
que já hoje podemos nos divertir atirando por terra esta bíblia de senso comum enojante
olá? a unificação das palavras só irrita os pequenos usuários
- minha língua não foi feita para seguir a constituição!
este será um compêndio de avulsismos.

odeio cadernos porque jamais consigo começá-los
as primeiras páginas marcam um tema amplo
um tema poderoso

e guardo as seguintes para sua proliferação incrível
que sei que virá.

sou desconexo.
não vou escrever letras atrás de letras.
minha escrita funciona por acelerações
ela necessita esquentar - mas que é um mundo muito frio.



quando em borbotoar palavras aos montes
sem muito desenrolismo mas um certo tecer de idéias numa grande tapeçaria,

que daí talvez surja aquele ritmo
uma velocidade que organize as engrenagens mentais de certa maneira
alinhando os planetas internos
o panteão de personagens-fadas mitológicos que regem a sucessão de idéias mentais
planetas-deuses que passam girando em suas órbitas elípticas!
com seus nomes magníficos de netuno, júpiter e plutão
seus mares seus raios seus infernos;
os eixos de idéias rodeando a galáxia ego

somente a troca de tempos de algumas fases da vida
pode acelerar uns, frear outros,
aproximando-os,
a pôr suas gravidades em guerra,
desorbitando a realidade tosca
dando fim ao cosmos e ao sistema solar

adeus à astronomia!
incrível como as angústias de um amor platônico são tão mais poderosas
elas jorravam sempre nos momentos de fraqueza
e acabavam em muitas literaturas e poesias belas.

ser triste, naqueles tempos, era bom;
é difícil buscar essa infelicidade oculta;
a velha idéia de estar sempre embriagado - com um anestesiante, do algo horrível

que estas seguranças propagadas a esmo pelos becos
fazem mais é enrolar em seus cobertores quentes
e obrigar a dormir.
(quantas magias as crianças não fariam se seus pais não as afogassem na cama depois das dez)

o vazio criativo: era o que se tinha
a mera distância ocupada nada gera.
é uma longa fita métrica que nos assegura e prende.

texto-raiz (publicação póstuma em 21/09)

sim! eu me perco!
descrever é mergulhar em um mar líquido, um mar de líquidos labirínticos, feito de correntes duras como paredes, que guardam em seu fundo um minotauro.
quando eu sonho que vôo, eu nado. meu ar é feito de água, porque no sonho passo nadando.
se os gregos imaginavam seus deuses respirando éter, nadando em ar e andando em água;
eu respiro água, nado em pedra, ando em mim mesmo. sou uma planta!
sou pelo texto subterrâneo
texto-raiz, aprofundando em todas direções atrás de água