quando em desdizer as maravilhas que os filósofos de plantão choravam ao vento, lépidos
que tudo mentiras e vago ar, o vento soprava entre suas palavras ocas e as tiras de papel fatiado pela lâmina cega, coração desmesurado
quando em afogar-se em um mar de tato e novos olhos, e batizar-se surdo-mutismo por desejo, movimento mutista, mutante
eu trafegava meus próprios pés, na areia inexplorada, desenhando como pontas de dedos sobre faces inalcançadas, sonhos trêbados, trôpegos
um corpo construído em nós e soluços, em espremer-se contra um espelho, amassando manchas de gordura e carne na tela fina, na imagem retorcida e deformada, em si
nus e crus, despidos, quando o vento soprava trafegando entre árvores e prédios e nos invadia, pelas janelas, pelas portas entreabertas
lambendo nossas peles e nos limpando de tudo que não nós, de todos desenlaces fáceis, de todas as fugas
uma folha seca atirada contra o muro, esperneando para acordar gritando: vida
minha pipa fantasma
medusa os tentáculos de barbante
flutuando etérea, éter
surfando atmosfestas
esquivava lufadas de
vento, deus da paisagem

querida,
dançavas belamente um desespero
fugindo às correntes que eu laço, sempre
em teus calcanhares.

ásperos dedos de
plástico
caminhavam pela sua pele
camaleoa
leoa
nas curvas levas como vales
curvas vivas
ondeando olhos no lavando imagens
lentas
ásperas
mãos de zinco e ferros
tossiam
imprimindo tristas pequenas marcas
que lha diziam
jamais
a escrita tem borracha demais,
queria máquinas de escrever
canetas tinteiro (sonho platônico, jamais lhes provei)
olhar um poema ver versos cortados, rimas apagadas refeitas
apagadas refeitas
uma grande estrofe de indecisão, toda suja,
as fibras do branco aparecendo, vincos, manchas empenadas

ver o processo nas palavras
um poema honesto
sem esse limpa-tipos infinitamente implacável
que é passar a limpo
(não quero às limpezas!)
desenhei meu estômago e vi
um poema feito das sílabas de sanduíche

o que é livro, palavra
só minhas mãos, os dedos (cansados) falam
apertar massa espalhar massa quebrar
vi tijolos quebrados no chão e pensei
quero quebrar tijolos, o que acontece, quais as formas
vi pedras no chão, quero pegá-las tocá-las
que palavras o que é palavra
tro-peçando dizen-do cada sílaba com esforço
com a língua mais interessada no ar e no apalpar o ar
do que nas letras desenhadas no som que som só quero
matéria
(um poema feito de argila)
desenhei meu estômago
vomitei
apagando tudo com muita força:
tirando as coisas erradas talvez
limpando, possa fazer direito então
(alimentar o papel com as comidas certas)
pisca, página
recheada de pizza e
não-vai-me-vencer teimoso
(como uma que não dormia e só chorava, dando a volta ao mundo no barco, na sua barriga-tronco-peito-eu gêmea)
piscinas de óleo, escorrem, borbulham
sorrindo (piscam, estrelas de borracha)
bananas e lentilhas não tapam o
chão preto, a sombra
recorta bonita que linhas quebrando
vendo as formas dum paralelogramo e
os estilhaços do espelho quebrado
todo dia pisam num, são sete anos
mas o espelho espatifou e os cacos voaram
pequenos triângulos pelo quarto, eu os vejo por todo lado
da porta posso ver tudo de longe, as manchas se unem, e funciona.
era leve,
uma janela esquecida aberta, cheia do calor da manhã e, um sopro fino entrava carregado dos mumúrios dos carros correndo, como ondas batendo,, as cortinas vacilantes roçavam o assoalho carinhosamente, varrendo pó de lá para cá e, nossas pálpebras indecisas, dia novo e luzes elétricas deixadas acesas, pratos do jantar esfriavam na mesa, sempre
os dedos pousados mais pareciam passageiros do gesto contínuo como o vento lavando carícias das folhas das árvores, coçando calmo torsos e faces, sem pressa
um suspiro subia, e descia, como discos rodando, os vinis chiando sob agulha mas sem música, só: o silêncio cheio
em dois minutos ela, leve como , e certeira,
permitira às suas mãos beijar o branco, e amá-lo, o branco silente

fora ela ou sua voz, tão leve
quatro lágrimas, cada uma dói, nenhuma é preta
o pilar negro não se borra,
nem com as mais finas sutilezas..
a voz sopra, mas desenha no ar, quase desenha em mim
quero desenhar nos braços no olho na vida
o branco silente, é tão lindo

(senão! é como amar uma mulher só linda: uma mulher tem que ter qualquer coisa de triste, qualquer coisa que chora, uma beleza que vem da tristeza de se saber mulher, feita apenas para amar, para sofrer pelo seu amor e para ser só perdão)
eu queria aprender a dançar com quadros

(hoje dancei muito o esfrega-esfrega preto e branco
como nos filmes antigos de swing
as meninas jogadas para cima e os pretos americanos
ando meio preto)
as manchas pelos muros são
de dedos sujos
apertando paredes finas como esquecidos

lembro das crianças comendo bolo de chocolate e limpando na camisa, na barriga redonda

um espelho para acertar as
olheiras de maquiagem
e sair da mina de carvão
não havia ouro mas
os passarinhos vêm morrendo, todos
esgotamento gota
da boca vaza esgoto
lembro dos canos, dos tubos com sombra
um lado branco e no outro deito e escorrego
como um tobogã manual
sem água (a não ser suor)
esgotado
como linhas ocas e
buracos
um tronco vazio e
os copos
secos

o nada acordou

e via tudo enquadrado

manchava meu
olho manchava

a chuva
a listra vermelha

manchava janelas
o branco

dos olhos teus
cinzas, chovendo

na janela desenhos
chovia

as manchas borradas
o batom apagado

mas

às vezes meus olhos
duros de vidro
embaçam
o contorno dos teus beijos
nunca saiu

nem
lavando
passeava nos labirintos e
cuspia
soluço chato

eu era uma máquina de não-andar
eu só via mas
soluçava, oh! soluçava
quantos caminhos, eu queria gritar

labirinto e as mãos tateiam
dizendo às mim
jasmim
dizendo imagem
dizendo simples: veja e
labirinto (ande)
ouvi
os primeiros ouvidos
de um bebê
( que chora e ri
indistintamente
pelas escadas e )

não ao
som
com S

não à
memória

hoje você nunca existe mais e amanhã
é uma corda puxando o pé
à noite. quando janto de novo querendo despensar
meus quilômetros de grafite nas mãos e no rosto
e na boca e nos olhos sujos lindos
como se tivessem nascido agora
antes da palavra
havia
linha da
vida
mão -círculo e
tantos dedos saindo
em retas - e para onde

eu sei que
há metades que
em vazio
se completam

branco branco
gigantescomente
pesa
por três vezes
a lua sorriu
vestiu-se guilhotina
e apagou
como um céu escuro

as estrelas, pequenas
tremelicaram úmidamente
me querendo constelar,
mas eu nunca tive telescópio
sou um tanto míope
e gosto de céu centrado

três vezes
e só na terceira
olhei pra cima
e a vi

lua, lua longe
lua sempre
(o brilho grande, tão
mórbidamente
maior que tudo)

adeus à noite
talvez no sol haja luz
para tecer
uma nova via (láctea)
uma nova vida
queria chorar, mas
era domingo
então

andou de ônibus
a lata de café abriu
bocarras de aço
engolindo meu sim

dentro
os gemidos ecoavam
como num banheiro
as paredes desciam como
ampulhetas rachadas
soterrava minha cama meu
pé óculos cadeira o relógio
que meu avô perdeu..
era dia infi
nito
quando acordei
(embalsamado)
descendo por uma
corda de papel higiênico
num poço de
desejos

não tenho moeda mas tenho
medo
só peço um dia
sair daqui
aponta os pés
juntos, tesos,
de braços olímpicos para trás
o salto Milimétrico
heróico, perfeito
diretamente na
poça de marshmallow
não precisa respirar só
esqueça
tudo branco
mole
doce
outro dia li dos amortecedores e imaginei
queridos deuses tecendo nossas paixões
o homem de
olho azul, e
camisa azul
feliz como quem almoça

conto do homem que chorava

sentava ao nosso lado, as
lágrimas escorregando, sempre
os dias
as manhãs
não güentei -
peguei-lhe um ferro
preguei-lhe a cabeça
várias bordoadas,
e dele não saía mais água mas
de mim
eu queria um amor
como uma crise de soluços:
súbito,
intestino,
em explosões curtas que quase derrubam.
a gente fingia então
matá-lo a sustos discretos,
a copo d'água
braços para cima
fôlego preso
cosquinha repentina
não te amo mais e
fim.
meu peito vazio
em minhas veias só ar
embrulhado em pele de plástico
fino plástico de sacola de compras;
tenho aqui um oco que
quase caio dentro de mim
meu peito vazio é como
um estômago
eu mordo,
eu rasgo,
eu mastigo e engulo
para inflar meu balão de sangue
mas ele está furado
a vida escapa
em gotas salgadas
pelo rosto.
mergulho versos neste poço escuro
respingando tinta preta nas brancas mangas de camisa
o poema é o trapo sujo
da minha insignificância
espremida aqui.

no espelho alguém me olhou mas, as cores estavam de ponta-cabeça

maio e
nada fazendo sentido.
como tinta descascando,
cobras trocando de pele
(mas na verdade são tantas
cabelos de medusa
cabeças de hidra)
sinto-me rachando
como, esfacelando
torrões de areia se desmancham sob água
e me construo
de mil tijolos
sem cimento no meio

mas faltam pedaços, está tudo esburacado

agarrar a rua para engolir cigarros, mas não bastava, as falas me invadirão e blasfemarão sobre a tessitura implícita linda de tapete mágico que ora constitui meus órgãos internos, intestinos e, boca fechada rija de prazer intenso em não-ser, agarrar a rua para fugir desta transição horrível, entortar minhas coordenadas geográficas para dizer: não foi na mesma estada aqui em que eu fui tanto carne quanto som, eu saí no entreato para voltar outro, para poder dizer que não sou o mesmo no mesmo rio inmesmado: saí correndo, preencher-me de cansaço, secura na boca e dor nos pés: preencher a existência com carne - não me agüentaria vestido de vidro e espelhos, de ilusão aérea, de sonho
via estrelas com os olhos e os pulmões apertados cantavam seus nomes, que olhos? nem havia mais imagem só car-ne-cor-po
e me vinham ventos de contrário, ventos de não-existência de ponta-cabeça, e como ser novamente parido - uma parte de cada vez, ondas de renascimento ininterruptas e mim: como um código de barras, holograma falhado no estar-ali; 'estar'? nem era verbo existir, nem era verbo: minhas lacunas onde a música berrava mais forte do que o verbo ser
eu sentia-me lavado
como o mergulho na imensa cachoeira do centro do mundo, quando me despi de todas minhas vidas e mandei os atavismos e neuroses à merda, quando mergulhei naquela água impossívelmente mortal que queria me cortar em tantas tiras quanto os traumas e resmungos de frio, quando lancei toda minha existência ao sabor da sorte e sobrevivi - e sobrevivi - eu saí limpo, verdadeiramente mais nu do que quando mergulhei sem roupas
e antes a vida passava diante dos olhos como um tédio vago, melancólico, querendo me vender clichês de vida - como isto fazia parte! mas adiante, por tantos anos eu não era mais corpo ou mundo mas só sonho - e o fim: encarnar como um tijolo cai do topo dos prédios podendo matar por engano
meus dedos meus braços dormentes esticados contraídos espasmos
agarrando um cano de ferro por perto com todas as forças que tinha o suor nas minhas mãos eu era este punho fechado como uma âncora no aqui e ondas e ondas meu corpo não era solo era Mar porque vinha em levas em levas como ondas batendo na praia eu era as ondas a sensação de ser ondas a verdade de existir me atravessando minha alma vento sobre a paisagem a planície o trigal e os ramos balançando em meus pêlos escritos naquela escrita eólica, o som me vasculhava com sua pesada língua distribuindo explosões de gosto e umidade, abalos sísmicos nos meus eus-tectônicos: ser-se em vagas, vagas, existir como um movimento descomunal, existir mas sem-querer, subi numa locomotiva de música que gira gira gira me leva para tão longe como uma roda da fortuna sem-querer e me faz ser-me menos, obrigado, posso enfim desfazer-me, feliz
A linguagem é um laboratório. Misturo palavras e profiro frases avaliando seu gosto, peso e a maneira pela qual reagem com minha opinião.

Como um cientista e seus aparelhos, experimento, regulando minuciosamente língua e cordas vocais. Sintetizo novos compostos, refino-os em seus elementos puros: encontrar a fórmula perfeita de sua enunciação.
é como se
na verdade
fossem dois
mas não parece

pego uma fruta
bem madura
sugo o doce miolo
deixo-a oca

vamos morar lá dentro.
e, no centro de tudo,
cachoeiras de lábios
como magia
uma pedra de rins
um caroço preso na digestão
uma bola de caranguejos esperneando entre os pulmões
um átomo radioativo engolido por engano
enorme coluna dórica instalada entre os músculos
fazendo força por sair
insistindo por uma existência impossível -
sonhos estropiados
com tantas pernas e braços
e bases da biologia submarina das fendas abissais
com sua luz incerta
berrando, a fachos largos
não! não! não!

corpo de soluços e convulsões
e algo dentro
embaralhar as palavras dos outros
sorrir, irônico
isto nem parece meu
nem sei o que isto quer dizer
- não estou preocupado.
transpirando à vontade
levanto a tampa
do pote de plástico
e banho os cabelos
negros

corpo descartável
sem dono
estoira como uma seta
- você não faz mais o barulho gostoso
quando entra em casa como um marido bêbedo
que bate nos filhos e beija a mulher,
nem ronrona como um carro virando a esquina
brusco,
insone,
engolindo os minutos como bolas de papel amassadas
entaladas no meio da voz
crescem em mim
dentes
de morder batom

checo a lista de quartos que estalam quando se entra:
equivo-os, todos

a porta de casa tem um cheiro esticado
de dias de meio de mês.
ela murmura, sorrindo
onde vais, tão cedo?

reconheço as pernas douradas da rua
e beijo a porta até sair sangue
sangue cheiroso
com o cheiro da tv rezando
por suas muletas de bronze
que carregam o hoje para o inferno

roubar tijolos do apartamento de bonecas
onde o almoço é comido pelas moscas

um ônibus ocupado
sendo uma Ferrari
cospe nos meus pés

meu prazer se confirma
numa garrafa pegando fogo
e o óleo diesel dos teus cabelos
estou fungando extasiado

dou grama ao mágico
pinto-me de rosa
torturo meu colchão
com lágrimas de vidro
sonhei: meu corpo evaporava
a sensação de evaporar, hmmmm!
como sentir-se namoricando moléculas
e outros termos químicos físicos científicos
o gosto dos segundos na boca
minha pele indo na frente com o vento
e todo meu corpo uma estação de trem
última chamada! última chamada!
mas a boca se mexia muito
incomodada, remoendo
cerrada: os segundos presos entre os dentes
membranas tapando as trocas de tempo
as novas datas a entrar e sair
as novas horas
minha boca de relógios quebrados
sempre com a mesma história, o mesmo minuto
meu corpo evaporava e gritava hmmm!
os poros exclamando como mil boquinhas
e meu coração numa panela
cozinhando
uma erupção de cartões postais
da terra do alfabeto
"Às vezes me canso de tanto deliberar sobre 'nada' (como diria o mundo); tento então, num sobressalto, como um afogado que toca com o calcanhar o solo marinho, voltar a uma decisão espontânea (a espontaneidade: grande sonho: paraíso, poder, gozo): pois bem; telefone-lhe, já que você está com vontade! Mas o recurso é vão"
minha cabeça tem como amores platônicos
por se ver linguajeada em papel
mas bem sabe, a afoita,
que pousar em carne lêtrica
envolve dores e desastres.
quem nunca viu dois amantes de amor cego
ao abrirem seus olhos
piscarem duas, quatro, sessenta vezes?
só mesmo a mão,
traiçoeira,
e os braços,
arrebitados,
podem insistir nesta cascata exuberante
no bailado das palavras para a vida
na escrita final sobre folhas de mundo
desenhar destinos na face alheia
frases-beijos numa branca face.
só mesmo o corpo
é forte o bastante
para dançar
um crime e
luto pela imaginação
luto

lição infinita
os naufrágios devem ser impetuosos
certeiros; não deve sobrar destroços bóias
remos ou esperanças e fantasias de 'terra, um dia'
terra, é sempre miragem

esquecer tudo e afundar, límpido
o real é o de menos
viva a realidade onírica do mar
entrincheirar-nos em palavras
lançar, atirar, jogar granadas uns nos outros
desenhar nos rostos ou pulsos trombetas
fantasia de muito-além
e nada mais.

o final do filme
do show de striptease
ou da porra da vida
não interessa
o rumor da escrita sussurra
é noite
teclas vibram sob o impacto límpido de dedos leves
eu sonho

aires calmos me ocorrem como lâmpadas brilhando
estilhaçando vazias
em becos escuros
e seu ar de tudo preenche o branco branco do dia que foi

serena mão da noite
me afaga, lenta

maio

mas é claro que já não restam aviões!
comemo-los todos, no café.
e o céu vazio de aerófilos se distrai pensando:
por que não acordar as gentes a baldes d'água?
já é tarde - o sol se cansa de vomitar luz nessas tuas caras.

eu me vesti com galhos e penas,
enorme lança-chamas de fúria e erros -
desafiei as esquinas a me mostrarem com quantos leques de seda se constrói o moinho que gire, que gire que gire,
mas faltavam-me as engrenagens tortas que moer tantos lances de dados enviesados, caindo de quatro sob um destino falso:
e debaixo de uma chuva de folhas o outono se abriu.

eu me escondo atrás de arpões e navios
e toda uma enciclopédia de deuses marinhos
pronto a começar a moldar meu exército de argila
que esguichará dos ralos dos banheiros
e dos buracos das fechaduras (trancadas);
invadir as casas mais infelizas e cantá-las todas:
- fim da era do pão e do fósforo!

jamais saberemos de novo a arte divina de lamber os lábios de crocodilo que ocupam a própria alma destes embrulhos de celofane que me cercam, ditas pes-soas!
tempestadeando como mosquitas ou cerejos caindo em profusão -
mas eu era apenas um menino
no alvorecer de maio, borbulhante
e minhas mãos dedilhavam rolos de papel higiênico
com que cobrir o teto de suas igrejas de ópio
e deitar-lhes ébrios num abrigo ácido de doces e
enguias verdadeiras rastejando dentro de las ropas.

raiz do céu,
te batizo: maio!
oi meu nome é janelas de vidro eu sou um pássaro boiando em céu farto de cores e azul me transborda pelos olhos quem sabe um dia não fui eu algo mais que esta vontade de espreguiçar-me como uma nuvem desenha labirintos de branco e algodão no horizonte
despejo aqui muitos desvios escondidos por acaso
abril, um turbilhão
deito orelhas num rio
deixo as águas contarem
estórias turvas.
remoinho e bolhas e bolhas de ar
peixinhos e seixos e algas do mar -
deito orelhas num rio
sou água e nado numa
estória turva.
mas, será
este grande arroto do tudo
trancado em estreita garganta,
tosse, tosse
queria descascá-lo, em fatias
(como a maçã engolida há dias
entalada na metade do caminho
saiu com uma pá, afiada
cravada fundo na goela aberta)
os pulsos dormentes
pulsando, inertes
sob a fúria fria de tantos tumores familiares
humores familiares
quase afagam por dentro, cosquinha -
ébrio, mas faltam tesouras
que rasgar pêlos e cabelos
furar a grossa bolha de pele morta e
ossadas de mentiras velhas
presas entre a gengiva e o dente
tosse, tosse
pulsos medrosos, bananas
jamais levantam um dedo sequer
para puxar fora
o sangue coagulado
a ramela dos olhos
o cuspe no canto dos lábios
os cabelos, embolados, na boca do ralo.

a maçã
faz falta
abro a caixa do correio
todas as cartas começam com a mesma frase:
o mundo foi adiado, ele não vem hoje
adiado sem data definida,
ele foi para longe.

que fazer
da espera silenciosa
d'um amanhã tão incerto?

que fazer - com o viver
porque sempre há um amanhã
chegando atrasado.
teus quadris são círculos
que sempre voltam, girando girando
giros de tontura e eu quase perco o chão com teus quadris
que sempre voltam.
meus lábios embaçados
amo lábios
meus lábios míopes só estão em casa quando pousam em ti.
chovia canivetes - imagine o som metálico da chuva
canivetes abertos, era uma tempestade de perigo.
teus lábios magnéticos
assassinos
me prendiam enquanto minhas roupas gelavam
tua cintura invadia meu abraço frouxo
um prazer confuso
cheio de vertigens e mundos rodando, rebentando
e quando beijávamos então,
o céu se abria, e desabava um rio, e era um fluxo contínuo de brinquedos de plástico se arrebentando no chão com um som ensurdecedor
as bonecas, os triciclos e os caminhõezinhos se partiam, uma cascata de infãncia rompida
sempre que eu te beijava para mim o céu se abria, e quanto mais longos os beijos mais daquela torrente de brinquedos rebentados me invadia,
te beijar tinha essa virtude perversa de destruição.
facas e
facas, e facas
e facas duras
como machadadas voam em tempestade sobre os cabelos
e os gestos, animal encurralado, furtivo,
os olhos tristes dizendo tanto -
mas da boca nada, só rugidos.
e por detrás de mechas de cabelo escorrido na chuva de lâminas
pedaços de mim voam, ao meu redor, turbilhão de perfume
cortes de tesoura nos dedos
cortes redondos, sangue escorrendo
facas e facas
eu disse, eu disse
eu já sabia.

mundo mundo, vasto mundo, de tropeços!
coberto da neblina fria, cobertor molhado que puxe e repuxe a pele, textura ruim de podridão - e quantos dias demorará no sol secando, minhas roupas, minhas gripes e minhas belas desculpas para não sair de casa - me envolvendo, sólido envelope de inércia

a foice corta como navalha
e os cortes jorram sangue quente
mas palavras são mais cortantes
cortam como o jorro frio que me rasgou as carnes em meio às lonjuras indecisas do monte Mundo, quando entreguei aos outros meu destino, que decidissem minha sorte em suas conversas de pescador - mas, por favor, continuem me gritando! eu exclamo, rezando que essas rédeas frouxas me levem aos meus caminhos mais-amados, enquanto meus moles pés de barro mal e mal atrevem escorregões na lama, e sou quase um filho de poças paradas, mais um mosquito esperneando fútil, cuspe boiando sem fé,

e engolia pedras
engolir um não-quero, não-quero-não-quero!
mas minha alma é minúscula. e não comporta delírios inveros
e então abriram-se as bocas como portas e portões, abriram estoirando feito represas, e não quero saber das cidades devastadas nem dos fogos e do futuro incerto, quanto mais as águas lavando as casas em seu desfile mórbido, arrastando cadáveres e cinzas vulcânicas - quantas erupções não houve neste peito ferido! - ah, que tudo se vá..
os braços se estendem como os mastros de um navio, e o cordame teso, e os anos de trabalho que foram gastos em realizar tudo aquilo - para só um rochedo insultuoso m'afundar? jamais.

há que correr muito
porque moles nuvens me escapam da boca como baba, e meus bocejos lentos convidam nublagens a s'apossarem de todas as almas -
minha alma minúscula! que nela nem cabem tantos nãos não-ditos.
sou tão pequeno!
aquelas palavras pesadas, imensas,
palavras de imensidão e como um colosso que engulo de uma vez só,
me sinto primo de cobras e crocodilos, estirado no gramado digerindo tanto mil vezes maior do que meus pobres laços e sentimentos finitos,
me esmaga, me esmaga, sou atropelado por algo de tão imenso que ah, fiquei para trás, selado neste envelope de névoa e desgaste, nesta teia de fofocas tortas entupindo meus olhos;
palavras e nem sei o que estão dizendo,
mas ah! sou maior por ser pequeno,
porque então as dores nem cabem em mim, e estoiram ao meu redor como perfume!
e se vais jogar em mim teus mísseis de dor eu me esquivo, eu sou somente um leve grão de areia e nada me pode atingir, meus castelos de areia que construirei quando a poeira baixar, ah, nada passará, porque minhas lágrimas de cimento servem a unir tudo como cola, e montarei bibelôs em cima de todas as mentiras que vomitam..

há que escorrer muito
sobre peles alvas, a vida lenta como uma lágrima ou uma gota de suor, nem se sabe qual é qual, lenta escorre sobre as faces, bochechas carnudas sedentas de beijos,
seca vida de pudores secos
afogada em cobertores de tédio e nada..

mas tudo isto devaneios tolos que me permitam falar, como queria falar,
preciso chorar lágrimas sem água,
lágrimas secas, feitas de osso e cinza,
feitas de lamúrias sonhadas,
preciso chorar sonhos

minhas lágrimas de sonho, e berros oníricos me voam dos lábios aos ares, como cânticos
porque faltam-me os dentes afiados para morder e chorar na carne -
banguela, choro poemas.
que aterrisem em ti como gotas pousam n'água, feito um balde de amores, desenhando bocas ou ventosas que agarrem em teu corpo nu, te amarrem aos meus quereres infindos, armadilhas -
quando um dia inda hás de sorrir, prisioneira.
boca antiga,
pensei que lavava teus lábios
molhados e famintos

pernas brancas,
procurei no dicionário
quantos nomes já não tiveste

só encontro
rouquidão
ares febris de cão
e gravar os dentes em teu travesseiro
rasgar lençóis, abocanhando
latindo
só um rubor doce te invade,
mil
sonhei despir teus olhos bambos
de tanta frieza -
acordo trêmulo, os dentes secos
o gosto amargo dos teus resfriados fingidos,
quando te finges distante
não -
só posso chamar-me canino
farejando pistas
mastigando meias
ganindo
minhas brutas patas beliscam
até decorar teus contornos
correr meu focinho em teus grãos de beijo
e trair tuas mordidas;
só posso chamar-me canino.
cortava papel como cortava vida
rompia,
a tesoura um barulho gostoso
em linhas nunca retas
escorregando, ávida
partindo elos e ligamentos
em muitos;
vulcão de pó

muitos,
e um tapete de recortes
pedaços de vida, palavras
memórias embaralhadas, amontoadas
um labirinto e
a cada lance de dados, o sorteio
uma nova frase se alinhava às já muitas
espontâneas
passageiras
desmoronando ao mínimo sopro de vento

voa papel,
voa e
leva embora a expressão confusa
do meu amor passado
rodopiando, leve folha de outono
perambulando nos aires
que se dobra e suja,
se borra
diz outra coisa
voa
um deserto e
golpe rápido, certeiro
para fora do imaginário (tão batido, debatido)
será desaprovado por muitos, talvez
mas só este
findará o areal

inda hei de te ler
de novo

- para arthur
mas eu e
mergulhos furtivos no escuro
folha seca
na teia de aranha
trêmula
adeus março
águas de março
de chuvas de lágrimas
em torrentes inundando tudo
e os bueiros engasgados
de tanto engolir mentiras
vão-se revirando, mordazes;
e em meio às enchentes
e enxurradas velozes
que nos arrastam para o longe, cortando laços
e levam embora cachorros, casas, pessoas
para nunca mais ver;
lá do fundo
das profundezas das ruas-rios
e do oco destes estômagos citadinos,
sobem bolhas
sobem balões de ar, jorrando do encanamento
verdades ocultas por tanto
e pipocam na superfície - já é difícil navegar
em meio a tantas ondas instáveis
e detritos boiando, esbarrando
essa montanha-russa que invadiu o cotidiano -
( mas eu e
mergulhos furtivos no escuro,
aproveitar a piscina gigante, bem-vinda
em meio à destruição )
águas de março
e outono
as folhas secam e caem
abrindo espaço à primavera
bah,
e quem m'importa com estas lágrimas falsas
lágrimas vendidas que comprei de outros
quem m'importa com os esgares que fizer
e as dores que sentir, à noite
sozinho no escuro
quando me encolher de frio e agarrar os lençóis
agonia fraca
tão previsível - quem m'importa
e minha vida não passa da fofoca mais óbvia de revista
essa história de folhetim
escrita antes mesmo de ser vivida, quando então
meus pés já andam rumos pré-traçados
e cambaleio previsível;
e meu desinteresse por tudo
quando chego à noite e nunca grito que estou vivo
grito muito o 'enfim!' da pressa
os dias escorrem lentos, como a baba que me escorre dos lábios
falta-me o tempo! tudo corrido e lento
porque nem sou eu a guiar, não,
os rumos dos outros, destino dos outros, que dor sentir-se assim
mero joguete de vontades mundanas, gerais
clichê-humano, seguindo dores pré-concebidas
da massa,
não conseguir sentir-se real, verdadeiro
se sobram maneiras de expressar o que vem
ah! que irritação, de não me faltarem palavras para descrever
este tantinho,
cada vez mais minúsculo
pois que tão na boca mastigada do povo

um dia, volto a ser meu
teus lábios líqüidos, talvez doloridos
em que me banhar
minha linda fonte
este anarquìa está me doendo, não sei como
talvez algo aqui tenha morrido,
talvez deva abandoná-lo
me sinto vigiado pelos malditos leitores

cálice

passe tudo,
passe carteira, celular, relógio, dinheiro, cartões, tudo
esse buraco de vida, esse furo, goteira no encanamento do mundo
algo se perdeu ali
como um ralo
eu era vento, mas era sonho
se escorria dentre tais valas de mortos, trincheiras duma guerra nunca travada, empilhando velhos
um furo, uma goteira, rachadura na barriga,
como ter rasgadas as tripas, sentir-se um saco de órgãos furado, e eles caindo todos por todos os lados, nem dor mas este vazio, este oco interno
sou um caixão de gente, tronco seco sem vida
o antigo interior gordo de lembrança e tudo em quanto pudesse pôr as mãos
apodrecera, bichara,
talvez por infecção externa, infecção bondosa, novo parasita
que ora se insere lentamente para dentro,
este terror de sentir-se mero casulo, mero cálice
onde os líqüidos se derramam, onde passam as vidas sendo bebidas por gigantes imensos que jamais vi nem verei
passado de mão em mão, cálice, até quebrar
este terror entre os goles,
quando um esbarrão tímido com a ponta das unhas ou mesmo no garfo ou no anel
faz o cristal tilintar
e sou uma redoma de vidro em dor,
uma estufa crescendo meus fungos internos, minhas florestas; cálice sujo
notar-se vidro: ouvir seu próprio som por cima do burburinho do líqüido nadando
tilintar seco tão assustador, que nos mostra vazio
em seu tom
meu nome é cálice
cale-se
por que
ela perguntava
por que
não há porques.
vida maior do que todas as fumaças fracas que nos escapam d'entre os lábios,
como no esforço frágil que fazemos, tolamente, em segurar mentiras -
mas elas voam como moscas sopradas ao vento
por que
ela perguntava
por que
não há porques.
há dor e a correnteza gigante da vida
arrastando tudo que há em seu caminho para o longe, para os longes
como uma boca gigante abrindo-se no horizonte e engolindo meus sonhos,
pelos cabelos, carrapato cósmico enredado em meu couro cabeludo de idéias
a sugar meu sangue e meus pensamentos: titã gigantesco
a puxar-me como fios minha memória, em dor
querendo tragar-me em seu buraco negro tão profundo
por que
ela perguntava
por que
e não há porques.
como uma faca, uma lâmina, uma gilete suicida a cortar os olhos alheios
cortar os olhos como ovos
agarrar o dia pelos cabelos
e gritar-lhe em face:
eu te amo! e estou vivo
vivo como um câncer
a te roubar os doces suspiros
e a sangrar-te - e eu só vivo
é do doce néctar que derramas
quando mordo e cuspo:
sou humano,
imponho-me eterno, impossível
carne poluidora de rios
sanguessuga das almas do mundo;
quando choro,
é porque a sua dor
de traído
de falsário, vingativo
dói em mim.
eu jamais doí,
eu jamais me arrependi:
sou eterno servente dos meus desígnios
dia: anjo solene dos meus pesadelos
amazonas puro, cativas-me pela ordem
imperas em ser a mágoa mais querida do panteão.

homem ao mar

"para onde correr, ao navio ou à praia?"
o outro encolhe ombros, resmunga qualquer coisa,
vira-se de costas.
o primeiro prossegue sua litania
como se ritmando o martelar do coração
palavras vãs reconfortando o silêncio impossível
de espera da chuva passar.
"quem sabe, devia meus últimos fôlegos
a alcançar a lisa popa
cheia de cracas e a escada de corda
que me salvar do mar revolto;
ou a distância já é tamanha
que meu rumo certo é mesmo o leste
sozinho, eu e meus braços,
para a costa estranha (e seca)?"
a chuva cai sobre ambos
mas enquanto um, indeciso
argumenta extenso sobre tudo e nada;
o outro, quieto, infinito
ocupa-se em secar as meias.
os dois atendem pelo mesmo nome
e conhecem a mesma resposta:
só quando a chuva parar.

enquanto isso, o barco vagueia nos pertos
e os braços vão cansando:
a chuva já vai parar

(de agosto)

olhar as cataratas e pensar 'sede' vontade de bebê-las inteiras andorinhas surfavam no ar revolto semi-nuvem dormindo embrenhadas no som mais ecoante uma rave de aves unidas em negro cacho ou colméia de pássaros molhados neste ponto em que o som se acumulava mais infinito ali deviam ser atravessadas pela alma da catarata, e aprender a voar

rasgo

minha voz
s'apertando, emburrada
muito se muito me maldizendo
de não voar mais em veloz
vestida de brancos
toda fantasma, pálida
quando subia da boca
nos grandes tempos
do frio que m'apertava o coração;

minha voz
pertada, ah tristura
de nem mais saber, esquecida
dos lábios molhados
garrando, a beijos ligeiros
tanta fumaça falsa
que floreasse no ar, à frente, bela
sujando narinas torcidas
tosses cinzas e muita solidão;

minha voz
que já se grita, enferma
endiabrada
por tantas idéias falsárias
quando em tudo
queria gritar eu te amo
deitar debaixo da árvore
da ponte, da vida
m'apaixonar mil vezes em novo
dizer não! não mesmo
a frio, a cigarro,
à massaroca de mentiras duras
em embrulho de mistério lindo
e vago
que enterrei debaixo do travesseiro
mas já nem reconheço minha cama
que deito e sonho ais! a noite inteira

voz,
que nem é minha
me assalta a cozinha, súbita
onde jamais esperei crimes;
te denuncio
solitária,
infeliz,
esquecer-te num dia qualquer
cortar-te fora, rasgar-te
preferia ser mudo a te ter tão traidora e
sombria.
quando nasci
nu
engatinhando leve e
encharcado de frio
com a torrente azul sobre minhas faces
que nem sabia respirar
enxertado numa nuvem viva

quando fugi, em quatro patas
do cone de luz e água
do poço de verde e nada
meus pulmões marinhos
meus dedos de lama

eu engolia azul e fumaça
fantasma
e me vestia de aires crus

lavado dos pés à alma
meus olhos lacrimosos,
meus cortes nos pés,
minha vida,
tudo: enxugado embora

daí então, recém-nascido
pousava os dedos no mundo
gritando: vida!
sou um grão de areia que geme: vida!
se vou dormir
por milimuitos
anos,
eras,
hibernando como gelo
e minhas marcas
ocultas
sós e atrofiadas;
nascer do sol, extravagante
como um vômito de delícias
zomba de curativos
e irrompe
sua luz traiçoeira
no rasgo que me lambe de face a face
e me denuncia: moribundo!
bastou simples clarão
para saber
da morte certa (tão adiada)
ou encontrei,
nestes meus sonhos
linha e agulha
que suturar?
ven-daval
vem, vestido em negro
e fumaça
vaga, confusamente
nos redores, e tudo é campo minado.
ranca telhas
roupas
mentiras, olhares enviesados:
não! só resta então
nudez crua do vento
do tempo que nem passou
daquele furo,
rachado, crescente
no finíssimo globo de vidro
que me cercava toda vida
toda ela.
vento
que me rouba o cristal da mão
e o faz espatifar ;
ou vento que cessa
(mas que então
e o buraco?)
nariz em riste
leme de navio
arriva, singrando aires
herói mítico, místico
invencível hoje
noite de glória e tudo mais.
membros profundos
esguios
feitos de branco e sal;
corpo desnudo
de guerra e cicatriz;
pousando suas patas afoitas
suas botas de mil-distância
seus cabelos nórdicos,
bárbaro,
sobre aldeia de areia e lentidão.
lar,
doce ar

torres (ainda rascunho)

quando em lamber as línguas divinas
que os deuses do vento sabiam dançar a nossos redores
meus membros de vela sonhavam-me outro: navio,
estalando inteiro em rangidos de cordame
sob a avidez súbita da vida em me ter;
e lançavam-me no longe, no infinito
embebido nos hálitos do mundo, pipa humana
úmido dos orvalhos da saliva aérea
que se me agarrava nestes cabelos esparsos
- atirados em formato de sol -
pelo topo de um monte chamado universo;
Eu me sabia antena telúrica, pétrea
do espasmo límpido de ondas e ondas de
cavalos alados preenchendo as bordas do céu,
e singrava mares de cor e aurora:
Saúdo-te, mundo tímido
que me vislumbre em duas minutas de tempo
e passe ligeiro, rumo a teus muitos reinos que conquistar.
Sonhava, os teus lábios massivos de fogo
em beijos largos aos azuis celestes de paixão;
as tuas faces enrubescidas de nuvem,
e risadas gratas descorridas na onipresença
por sobre neves roxas que me acordavam feito adeus.
Desfalecente em teu leito duro hostil
enrolava-me sereno, nos grossos cobertores
dessa abóboda radiante ou purpúrea
pátria efêmera de mil biologias gasosas;
e meu próprio hálito, intermitente
tanto pairava por sobre as vestes
como um fumo raro, fantasma bem-vindo
alertando-me dos preços gelados; meus olhos vazios
dardejados de lágrimas, estupefactos
como feras famintas a espreitar
flutuavam, impossíveis divagantes
deitando-me em colchões de nada
que apertar-me o peito, que abraçar-me
alheios às investidas pesadas do chão,
e soluçavam: Vento! deus da paisagem,
que quase perco, nas indistâncias findas
sem pó que te me fizesse sólido:
Lambe-me como se eu tivesse gosto
de vida, de simples existo, humildemente
lamber minha língua,
a roubar-te inteiro em meus pulmões de furto
encarcerar-te, nestas prisões ligeiras que sufoquem
que me fazem tua carne, Imensíssimo
no enxertar-me pelos teus braços largos
fazendo parte o meu próprio peito
dos teus membros infindos de tornado
ao respirar do teu vasto sangue, e eu borbulho
espumo como se, líqüido, pudesse tornar-te
mais Humano! e neste oceano
de cumes e áridos, colossos, ruínas
minha alma repousa, pesada deriva
poluindo possessa, com tantas palavras,
a tudo! doravante lembrado,
pisado ou rasgado: Lembrança! é teu nome.
E se me manchas a pele, me desenhas o rosto
marcando-me eternamente gasoso
com teus choros de espuma, teus cuspes, teus cortes
de que bebo ávido - perversamente incrustrado
como intruso, neste desfile febril -
navego altivo, Espelho inviável
da glória ímpar que me desferes
do brilho que me irrompes às bocas
em elas mesmas engolirem-te em recitais;
e se me tapas os ouvidos, arroganteante
com teus murmúrios lúgubres de espectro vago:
valho-me então de nomes, lançando-os a esmo
como espadas, em leque, a te louvar
fósforos acendem e apagam
no escuro
mergulhos em pântanos
estrelas cadentes me desejam, intermináveis
em noites de nunca
o céu sabe desenhar em meus olhos
lábios travestidos dum neruda
como batom castelhado, poe-ta
e as árvores chovem feitiços
e nao posso mais fumar
hoje é sempre e nunca, para tantos dias que nem já conto
descer num labirinto de diários e memórias inventadas
meu navio de planos
meu leve aeroplano
que voar por dentre as coxas sensuais
do mundo
quanto falta
a agarrar nas âncoras firmes e inertes
rio de janeiro?