facas e
facas, e facas
e facas duras
como machadadas voam em tempestade sobre os cabelos
e os gestos, animal encurralado, furtivo,
os olhos tristes dizendo tanto -
mas da boca nada, só rugidos.
e por detrás de mechas de cabelo escorrido na chuva de lâminas
pedaços de mim voam, ao meu redor, turbilhão de perfume
cortes de tesoura nos dedos
cortes redondos, sangue escorrendo
facas e facas
eu disse, eu disse
eu já sabia.

mundo mundo, vasto mundo, de tropeços!
coberto da neblina fria, cobertor molhado que puxe e repuxe a pele, textura ruim de podridão - e quantos dias demorará no sol secando, minhas roupas, minhas gripes e minhas belas desculpas para não sair de casa - me envolvendo, sólido envelope de inércia

a foice corta como navalha
e os cortes jorram sangue quente
mas palavras são mais cortantes
cortam como o jorro frio que me rasgou as carnes em meio às lonjuras indecisas do monte Mundo, quando entreguei aos outros meu destino, que decidissem minha sorte em suas conversas de pescador - mas, por favor, continuem me gritando! eu exclamo, rezando que essas rédeas frouxas me levem aos meus caminhos mais-amados, enquanto meus moles pés de barro mal e mal atrevem escorregões na lama, e sou quase um filho de poças paradas, mais um mosquito esperneando fútil, cuspe boiando sem fé,

e engolia pedras
engolir um não-quero, não-quero-não-quero!
mas minha alma é minúscula. e não comporta delírios inveros
e então abriram-se as bocas como portas e portões, abriram estoirando feito represas, e não quero saber das cidades devastadas nem dos fogos e do futuro incerto, quanto mais as águas lavando as casas em seu desfile mórbido, arrastando cadáveres e cinzas vulcânicas - quantas erupções não houve neste peito ferido! - ah, que tudo se vá..
os braços se estendem como os mastros de um navio, e o cordame teso, e os anos de trabalho que foram gastos em realizar tudo aquilo - para só um rochedo insultuoso m'afundar? jamais.

há que correr muito
porque moles nuvens me escapam da boca como baba, e meus bocejos lentos convidam nublagens a s'apossarem de todas as almas -
minha alma minúscula! que nela nem cabem tantos nãos não-ditos.
sou tão pequeno!
aquelas palavras pesadas, imensas,
palavras de imensidão e como um colosso que engulo de uma vez só,
me sinto primo de cobras e crocodilos, estirado no gramado digerindo tanto mil vezes maior do que meus pobres laços e sentimentos finitos,
me esmaga, me esmaga, sou atropelado por algo de tão imenso que ah, fiquei para trás, selado neste envelope de névoa e desgaste, nesta teia de fofocas tortas entupindo meus olhos;
palavras e nem sei o que estão dizendo,
mas ah! sou maior por ser pequeno,
porque então as dores nem cabem em mim, e estoiram ao meu redor como perfume!
e se vais jogar em mim teus mísseis de dor eu me esquivo, eu sou somente um leve grão de areia e nada me pode atingir, meus castelos de areia que construirei quando a poeira baixar, ah, nada passará, porque minhas lágrimas de cimento servem a unir tudo como cola, e montarei bibelôs em cima de todas as mentiras que vomitam..

há que escorrer muito
sobre peles alvas, a vida lenta como uma lágrima ou uma gota de suor, nem se sabe qual é qual, lenta escorre sobre as faces, bochechas carnudas sedentas de beijos,
seca vida de pudores secos
afogada em cobertores de tédio e nada..

mas tudo isto devaneios tolos que me permitam falar, como queria falar,
preciso chorar lágrimas sem água,
lágrimas secas, feitas de osso e cinza,
feitas de lamúrias sonhadas,
preciso chorar sonhos

minhas lágrimas de sonho, e berros oníricos me voam dos lábios aos ares, como cânticos
porque faltam-me os dentes afiados para morder e chorar na carne -
banguela, choro poemas.
que aterrisem em ti como gotas pousam n'água, feito um balde de amores, desenhando bocas ou ventosas que agarrem em teu corpo nu, te amarrem aos meus quereres infindos, armadilhas -
quando um dia inda hás de sorrir, prisioneira.

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