"e se as nuvens não são um banquinho,
pra gente lamber o céu?"
ah! te amo porque me soas tão arte
ah, te arto porque me soas tão amo
poeta!
não pára,
tua voz
me tece
palavras
quase beijos
na minha alma

poeta,
vagueia,
teu sopro
passeia
nas minhas veias

poeta...
comigo
marcado,
meu fundinho
sozinho,
amigo,
amado...

poeta:
me lembre
ser tão,
ser quase,
ser vão:
ser sempre.
o grande poder
daquele criança
que todos lhe dizem
pareces fulano
pareces com tal um
me lembras os tempos de x
me sabes o gosto de outrora, ah! sabes muito,
tu és, Ah! tu és...

estas roupagens bonitas
estes gestos falares
jeitinhos tão... caetanea-dos
você é tão cazuza!
ah, adoro-te, rimbaudzinho
ih, minha linda, ai fada impossível
linda noitinha amarga que me mastiga os ventos
você cheira tanto, tanto porto alegre!

oi você me lembra um sonho que eu tive
ai você me soa tão azul, não sei porquê
ai você está tão sujo,
que lá nas paredes flácidas dos teus pulmões,
você respira muito, dois m's e um d mudo,
estás tão.. drummond!

espontaneio

valem aquelas as mais que sejam
as espontâneas, as novas!
as mais assim, cruas, diz-se assim
as que saem sem querer (ops, fui eu!)

não não, não valer às planejadas
às premeditadas criminosas
tão babadas e remendadas

amo pouco os que espontaneiam planejos
os que sozinhos se são vestidos
os que não se sabem nunca assim, dir-se-ia
bêbedos,
sem preocupar-se com não-ditos...

amo mais aqueles, que planejados espontaníam.
espantam!
soando sempre virgens e belos
como os murmúrios gostosos de prazer
quando mastigamos as flores mais bonitas
do jardim (que nunca se recuperará)

história da arte

eu entrei no quarto
a Beleza olhou para mim (com olhos d'água)
ela estava chorando.

eu lembro que antes,
ela era bonita,
o quarto era quentinho,
eu era tão longo!
ai, eu gostava.

nunca entendi direito essa Beleza
que ficava o dia inteiro em seu quartinho
tricotando um vestido muito bonito
e galinhando de noite nos bailes.
nunca entendi.

eu sei bem que isso se foi
eu entrei no quarto então
ela estava bêbeda, melhor,
de ressaca.

a Beleza estirada no chão,
babava uma voz suja de pato
passava maquiagem na cara, no olhos, no cu
era triste, ela babando velha, ah não
eu me sentia triste, chato.

conheci o marido dela outro dia
ficou velho e gordo, nem sei se é marido mesmo
velho e corno, eu bem sabia
passando de ladainhas doces:
"querida, queridíssima (ai, como nos amamos!)
ontem foi muito bom, não foi? (ah se foi!)
ah, como fizemos muito ontem! muito, nem lembro até!
estou tão cansado, e hoje é domingo,
vamos passar o resto da vida vendo tv?"

eu entrei no quarto, a Beleza era uma rainha
ela brilhava do alto de seu trono de mil adjetivos
o vestido fino, a luz bonita, os perfumes caros
eu quase morri diante de tanta chatice

eu entrei no quarto, entrei chutando a porta
arrancando roupa, cuspindo palavrão;
depois eu nem sabia o que fazer ali
a Beleza tava ali, estirada, feia,
me oferecendo uma birita,
eu fiquei. (gordo velho imundo casado)

eu entrei no quarto,
acho que estava chovendo, ou algo estúpido.
eu estava cego, pálpebras cerradas
meus fones de ouvido - eu não ouvia nada
minhas roupas metidas - eu nem sentia frio

a Beleza ficava lá, fazendo strip
tentando chamar a atenção.
eu só fiquei dançando na frente dela (nem percebi)
me diverti muito sozinho, balancei balancei
dei uma festa depois, no quarto mesmo.
a Beleza não bebeu nada porque ela é alcoólatra
e não é mais amiga de ninguém.

eu entrei no quarto
era hoje
era amanhã
eu vou ali só pra comer.
chove,
na cidade perfeita.
as gotas caem manchando tudo,
e eu sei que este dia é para sempre.

chove,
dum frio doído gostoso
a chuva, fininha,
soando tão bonita.

chove,
eu gosto dos vagabundos,
converso com eles,
eles gostam de mim.

nas coxas

eu bem tocava violão nas coxas
porque em pé faltava aquela cordinha
eu bem escrevia tudo nas coxas
mas aí é porque faltava o papel.

queria muito agarrar-te nas coxas
porque sou preguiçoso e leviano,
vou apertar ali ali, hihihi
você não vai gostar, mas e daí
é tudo nas coxas e eu não estou dando a mínima.

(como era mesmo aquela história
de que o primeiro rei de Atenas
nasceu daquilo que o Manco
estava ejaculando nas coxas?)

escrevendo a duas mãos

as canetas melodiosas rabiscavam
páginas e páginas e páginas
nossa, 'quele tempo das pilhas de papel empoeirado
eu espirrava contente: e o vento fazia até barulhos
quase bonito as folhas rodando no céu.

que seria 'screver a duas mãos
'queles tempos em que só uma guiava tudo
e quase estávamos é nos esticando inteiros
redebruçados corcundas, tortos na escrivaninha
o braço inútil, o outro esticado e apalpando:
entrar no papel por uma frestinha que abríssemos
com tal caneta cortante, cravada furando
até sair querida tinta-sangue da folha..

e hoje, tão fácil, tão veloz
quase saem-me letras é de todos os dedos
escrever a duas mãos? escrevo a dez!
dez dedos apontando letras como numa feira
"vou levar esta aqui, redondinha" "a madura ali, por favor"
sambando harmoniosos e muitas notas descompostas
rebatucando trac-trac-trac as teclas leves
infinitando a textura táctil das palavras doces
que se nos saem escorridas aos borbotões
dessa tal máquina-escriturante tão modernosa
plec-plec-plic os sons gorjeantes percussionistas
um plique-plaque muito mais musiciano
do que as arranhadas ásperas dos passados tintureiros.
muito mais: de ritmo e bom som.

deviam pôr debaixo dos botões redigidores
sininhos ou fadinhas miúdas enroladinhas
a gritar e gemer a cada pressão - ia ser bonito de escrever!

ía

já odeio este título gigante aí flutuando
anarquía sou, já quis tanto mudá-lo
mas muito o sem-nome precisa chamar-se algo
e este algo findou sendo simples: o anarquía
resmungo apenas, então:
que este señor anarquizado
é uma mentira de pernas gordas
porque possui acento no i
porque é só uma palavra
porque é do gênero errado
porque me faz bem.

foi aqui que tudo acontece

(tema para uma vanguarda sem nome)

éramos dois: mas éramos tantos!
bebíamos vinho e líamos baudelaire
quanto não rimos dos outros, hein?
quanto não... acabou.

éramos dois: mas éramos um!
inventávamos muito, sozinhos e fáceis
impressionávamos: grande profusão
construímos poderosos castelos de.. cartas.

éramos dois: éramos zeros
velhos desculpando-se e coçando-se tudo
se aos vinte o rimbaud nem morria mais
nós só cuspíamos fumaça e praguejos secos..

éramos dois: dois estranhos
quando com tempo vazamos olheiras
e não soubemos mais ser dois de novo
o aqui afundando longe, cadê?

éramos dois: não éramos
personagens de personagens de personagens
as paredes apagadas provando
que nada vingava, e tudo era ido

éramos dois: éramos.
quando chegar ao fim
as águas vão tomar tudo
e as avós levarão o resto.

Jam session


quão adoroso estar-se em meio a uns tantos ditos musicistas
    tão doído neste desacordo, desarmonioso
amando tonto a espécie inocente de belicismo blasfemo,
    quando cada um quer sempre transbordar nos outros
  invadir-lhes a melodia água com mil notas úmidas, erradas
  enfogueando muito a quase calor, e derretem nuvem;
mas os ouvidos afogando sob a torrente de vapores sons
  quase sabendo se gritar é minúsculo (e, portanto, sempre)
envolvido nas marés infinitas de tempestade e destruição
    neste país chamado olho de furacão, olho lindo de plenitude;

o coração gosta aí a gastar-se bonitamente, linguajeando
    pois que ama-se infiltrado, enxertado voyeurista,
  metido pés nas mãos, acoplado a esta máquina impossível
esta máquina primitiva da criação exagerada rítmica
    composta muita de mil peças primas, lembrando locomotivas
em que os instrumentos cuspem rodas dentadas mágicas,
  zumbindo um motor de vapor e fogo tossidas,
    escoiceando soluços gagos de fumaça eco, ressoante;

nesta terra mora então o tal tanto desprendimento nu:
  que as brisas marinhíssimas do improvisismo sábio
    nos 'rancam vestes e telhados sustos
  limpando-nos as gargantas desafinadas de sussurro
    para sairmos divagueando vagos e múltiplos
      todos impossíveis surdos e inconfusos
    no meio da balbúrdia e do marulho, ali sim:
  no excessivismo cantado, neste nascer fecundo,
reinará algo
chamar-se-á música
espelhará novo
bonitará som.

barthes queria voltar ao diário,
proust... é tão quase; (e tão outro!)
essa vontade de sentir-se literário:
espalhar tintas de sentido nas camadas de vida

(ora naquela coxa falta vermelho-amor;
aqueles prédios estão entediados e beges demais;
enquanto naqueles olhos, tão desbotados de lágrimas,
esfrego mais uma camada de azul-marinho-oceano:
e serão os olhos mais aquáticos da minha pintura-lembrança)

escrever ordenhando as canetas: ordenhar a linguagem
leite-néctar de imortalidade, a ser misturado
espalhado em pequenos montes nas palhetas
para pintar o mundo de cor-sabor-memória

(se recusar alimentar os bebês gordos
chamados pelas suas mamães-tantas
"quem é o clichêzinho mais bonito?"
que essas bocas infantis tão edipianas
já não conseguem sugar quase leite algum
e se engasgam em si mesmas: arrotando.)

resolver-se a beber o próprio leite
dobrando em si mesmo: oróboro
o curto-circuito de amamentando as tetas
fazer as canetas se virarem sobre si nas camas,
fugindo de si, em vômitos de círculo:
fugindo-viajando para os longes.
planejar escrita é planejar:
amanhã acordarei sorrindo,
semana que vem sonharei com porcos;
é bem ridículo dizer issos aí.

ouvi dizer que forçar o sorrir de lábios
quando os olhos mais querem é irritar-se
e a boca contorce-se em desagrado:
se quem sabe pusermo-nos em felicidade
- falsamente, como sempre -
o sorriso tatua-se profundo na nossa pele
adentrando os poros e as rugas de enfado
até que já vamos nós sorrindo sem querer
e, felizes, sem saber quê;

talvez sorrir quando escreve
mude aquelas coisas que saem da nossa mão
muito mais do que planos de antemão;
então amanhã, acordar e sorrir de propósito
congratular-se da vida inventada;
e no sonho da semana que vem,
dizer faceiro: aquela sua mãe que apareceu lá
e todos aqueles estúpidos homens-maus que eu pensava ter visto
não passavam dum bando de suínos.

rima

me vêm umas taras rimativas,
que me querem ritmo e compasso;
- minhas mãos se revoltam vivas,
não sei o porquê daquilo que faço.

engasgo, tusso, asco,
isso vai ser um grande fiasco;
mas me recuso a esconder,
eu vou rimar, vou aprender:



se rimbaud rima
rimo também
minha obra-prima
não soa bem

(aplausos)

poesia e verso: vou rimar
e só não posso rimar com ar:
ar vem trazendo de antemão
os acessórios da expiração
ventos, sopros, brisas
aéreas planícies indivisas

ar possui o som perverso
que inspiração, é a mentira
entra nos meus pulmões de verso
e rima com não! respira-expira

rimar com não é denegrir
rimar com verbo é ruir
infinitivo é fácil ver
que forma rimas de sofrer

quero uma rima muito nova
rima essa que dê sova
nas crianças do balanço
nas velhinhas cheias de ranço
no poeta morto enterrado
(rimar com ado é retardado)
nos versos cinzas de outrora
na minha cara feia e vermelha
que se espreme de dúvida e cora,
que se agasta de dúvida e espelha.

mas o sentido, onde fica,
nestas rimas descuidadas?
por que se muito tudo indica,
que estão todas perfuradas

queijo suíço, elas parecem
e o ar vagueia entre seus furos
rimando feio elas tecem
uns muros altos e escuros

rimar pra quê? já nem me lembro
eu nunca rimo, setembro-novembro!
não não não. mas eu cedo, cedo
- estou é morrendo de medo.

mas divertido, rimar a esmo
sem nem assunto, ficar falando
poema brusco, poema-mesmo
rima só serve a sair cantando
é adoroso escrever isto tão apático
ah, como dói, eu choro tanto com isso;
é mentira. estou bocejando.
ou, em verdade, reenrolando tempo de distração.