história da arte

eu entrei no quarto
a Beleza olhou para mim (com olhos d'água)
ela estava chorando.

eu lembro que antes,
ela era bonita,
o quarto era quentinho,
eu era tão longo!
ai, eu gostava.

nunca entendi direito essa Beleza
que ficava o dia inteiro em seu quartinho
tricotando um vestido muito bonito
e galinhando de noite nos bailes.
nunca entendi.

eu sei bem que isso se foi
eu entrei no quarto então
ela estava bêbeda, melhor,
de ressaca.

a Beleza estirada no chão,
babava uma voz suja de pato
passava maquiagem na cara, no olhos, no cu
era triste, ela babando velha, ah não
eu me sentia triste, chato.

conheci o marido dela outro dia
ficou velho e gordo, nem sei se é marido mesmo
velho e corno, eu bem sabia
passando de ladainhas doces:
"querida, queridíssima (ai, como nos amamos!)
ontem foi muito bom, não foi? (ah se foi!)
ah, como fizemos muito ontem! muito, nem lembro até!
estou tão cansado, e hoje é domingo,
vamos passar o resto da vida vendo tv?"

eu entrei no quarto, a Beleza era uma rainha
ela brilhava do alto de seu trono de mil adjetivos
o vestido fino, a luz bonita, os perfumes caros
eu quase morri diante de tanta chatice

eu entrei no quarto, entrei chutando a porta
arrancando roupa, cuspindo palavrão;
depois eu nem sabia o que fazer ali
a Beleza tava ali, estirada, feia,
me oferecendo uma birita,
eu fiquei. (gordo velho imundo casado)

eu entrei no quarto,
acho que estava chovendo, ou algo estúpido.
eu estava cego, pálpebras cerradas
meus fones de ouvido - eu não ouvia nada
minhas roupas metidas - eu nem sentia frio

a Beleza ficava lá, fazendo strip
tentando chamar a atenção.
eu só fiquei dançando na frente dela (nem percebi)
me diverti muito sozinho, balancei balancei
dei uma festa depois, no quarto mesmo.
a Beleza não bebeu nada porque ela é alcoólatra
e não é mais amiga de ninguém.

eu entrei no quarto
era hoje
era amanhã
eu vou ali só pra comer.

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