mas faltam pedaços, está tudo esburacado

agarrar a rua para engolir cigarros, mas não bastava, as falas me invadirão e blasfemarão sobre a tessitura implícita linda de tapete mágico que ora constitui meus órgãos internos, intestinos e, boca fechada rija de prazer intenso em não-ser, agarrar a rua para fugir desta transição horrível, entortar minhas coordenadas geográficas para dizer: não foi na mesma estada aqui em que eu fui tanto carne quanto som, eu saí no entreato para voltar outro, para poder dizer que não sou o mesmo no mesmo rio inmesmado: saí correndo, preencher-me de cansaço, secura na boca e dor nos pés: preencher a existência com carne - não me agüentaria vestido de vidro e espelhos, de ilusão aérea, de sonho
via estrelas com os olhos e os pulmões apertados cantavam seus nomes, que olhos? nem havia mais imagem só car-ne-cor-po
e me vinham ventos de contrário, ventos de não-existência de ponta-cabeça, e como ser novamente parido - uma parte de cada vez, ondas de renascimento ininterruptas e mim: como um código de barras, holograma falhado no estar-ali; 'estar'? nem era verbo existir, nem era verbo: minhas lacunas onde a música berrava mais forte do que o verbo ser
eu sentia-me lavado
como o mergulho na imensa cachoeira do centro do mundo, quando me despi de todas minhas vidas e mandei os atavismos e neuroses à merda, quando mergulhei naquela água impossívelmente mortal que queria me cortar em tantas tiras quanto os traumas e resmungos de frio, quando lancei toda minha existência ao sabor da sorte e sobrevivi - e sobrevivi - eu saí limpo, verdadeiramente mais nu do que quando mergulhei sem roupas
e antes a vida passava diante dos olhos como um tédio vago, melancólico, querendo me vender clichês de vida - como isto fazia parte! mas adiante, por tantos anos eu não era mais corpo ou mundo mas só sonho - e o fim: encarnar como um tijolo cai do topo dos prédios podendo matar por engano
meus dedos meus braços dormentes esticados contraídos espasmos
agarrando um cano de ferro por perto com todas as forças que tinha o suor nas minhas mãos eu era este punho fechado como uma âncora no aqui e ondas e ondas meu corpo não era solo era Mar porque vinha em levas em levas como ondas batendo na praia eu era as ondas a sensação de ser ondas a verdade de existir me atravessando minha alma vento sobre a paisagem a planície o trigal e os ramos balançando em meus pêlos escritos naquela escrita eólica, o som me vasculhava com sua pesada língua distribuindo explosões de gosto e umidade, abalos sísmicos nos meus eus-tectônicos: ser-se em vagas, vagas, existir como um movimento descomunal, existir mas sem-querer, subi numa locomotiva de música que gira gira gira me leva para tão longe como uma roda da fortuna sem-querer e me faz ser-me menos, obrigado, posso enfim desfazer-me, feliz

Um comentário:

Semín disse...

lindo, lindo, lindo
é o tipo de texto que n dá pra ser lindo por si só
e isso n é ruim: o autor completa a beleza
é uma bosta usar as palavras de sempre
e porisso (assim porisso de hilda) é como fazer-se incompreendido sem esforço
mas é lindo, é um destroço portátil
(fui na comunidade do proust e visualizei seu perfil e cheguei aqui no seu blog, estou oco de comentários, tb é irritante ter sempre que dizer algo de algo, né? enfim...
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