se ler é gritar

se ler é gritar
é estranho então sabermos que


veja bem: quando abrimos um livro - melhor, quando nos pomos a decifrar as primeiríssimas letras d’umas frases quaisquer -

ali naquelas cabeças profundas que temos
desde cedo plantaram, na balbúrdia dos anos infantes,
meia dúzia de léxicos e dicionários,
e que regados a sintaxes novas aprendemos o instrumental hábil a tornar-se consciente
- este somos nós,
o eu-floresta resultado da progressiva evolução daquela mata selvagem de palavras:

pois bem, então quando nos pomos a engolir uma literatura,
essa expressão é na verdade muito errada,
pois que o que acontece mesmo é o eu interno abrir sua imensíssima biblioteca virtual de todos os livros possíveis (que foi construída num quartinho chamado “abstração”) e ir procurar no índice geral (que tem na sua capa grossa de couro escrito “pensamento”) aquilo que corresponde às palavras vistas pelos olhos-nariz-boca-orelhas;
e então conforme na leitura vai publicando e imprimindo páginas soltas daquela peça,
e o que se lhe resta é um agregado de fascículos não de modo algum perfeitamente idênticos ao que foi lido,
porque a bagunça-vida da mente está constantemente assediada por ventos e tempestades,
mesmo porque também o ar quente às vezes carregado põe-se a decompor páginas,
e perdem-se muitas coisas; o que fica deve ter brotado fundo,
porque no entre-ouvidos em festa sempre a ser assediado por trovões e bebedeiras de pensamentos narcóticos do dia-a-dia, as obras se perdem.

que palavras são o chão e as estruturas de pensamento as árvores e o dia-a-dia se nos dá água (ou não, e talvez mate as plantas)
[já estou retomando aquela divagação daquele ‘tangente’, mas e daí]

[gostava mais enveredar pelas noções da biblioteca de tudo, de shakespeare, de borges]

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