despedida sem título

inda me vem, como presságio
brotando daninha, por entre lacunas de pensamento
até florescer lacrimosa pelos olhos -
sabedoria límpida e vasta
da tempestade que virá.

o mais da dor,
prenúncio de saudades
do saber-se chegando em fins
tão talvez tão voluntários...

ah,
passeando as palmas das mãos
sobre mesas e paredes
deste lugar óbvio e freqüente
deste aqui tão natural, tão doce lar
mas que não voltará.
o tato, e a textura, e a temperatura e o som oco
os cheiros tolos e os detalhes
o rangido da maçaneta
o ventilador que não funcionava
os canais que a tv não pega

e uma partida sempre adiável
pesando, no estômago.
esmaga de medo e de
tempo decantado:
como largar-se a um futuro de menos e de vazio?
só uma espreita, aposta fraca
d'um dia inda vier outra colheita
que vingue em algo tanta lembrança insaciável
que alimentasse esta fome de sabor.

os punhos se fecham, ávidos
e, rígido, o corpo indeciso
se fosse mágico partiria
em dois amálgamas
em duas vidas paralelas
em duas almas

ah, se n'um dia desespero, irreverente
pronto a atear fogo à morada;
no outro, dócil,
prevejo minha sorte desgraçada,
e me adio infeliz.