levanta-te e fala

o maior mudo de todos
ele não era mudo: era mutista
porque mudava voluntário

é claro que não deixavam
e ficavam lhe perguntando
lhe indagando as mais bonitas
as mais filosofias
ele num silêncio audível

levaram-lhe para o tribunal
julgar-lhe por seu silêncio
julgar-lhe por omissão
fizeram-no falar
o rei dos mudos falou.

o grande discurso deste rei dos mudos
era tão horrível
ele falava mal, suas palavras eram meias
era tudo sempre na metade, meio capenga
gaguejava cuspindo, voavam salivas longe
era quase nojento

ele odiava falar
dizia isso, mil vezes, mil e duas
ele falava e falava quanto odiava falar
ele falava com um ódio...
com um ódio da própria fala

havia tanta ira em cada letra que lhe roçasse a garganta
tanto ódio multiplicando, desabando
ele gritando de dor, gritando que gritava de dor
era horrível, era infinito
quanto mais falava mais doía
mais odiava e falava do ódio berrando
berros sobre berrar os berros
ele estava em combustão

as sílabas, lembro da vez,
perguntaram-lhe por quê
como por quê? todo porquê é falado
pensava eu
mas nessa hora ele engasgou
o juiz bateu o martelo e soletraram seu nome, lentos
ele ouvia com as orelhas girando
sua boca mugia tão grave que a mesa vibrava
perguntaram este é seu nome
a garganta dele se contorcia
começou a arrotar a primeira resposta
mas o atrito foi demais, e explodiu

todos que saíram de lá
viraram surdistas
que os sons do mundo já lhes doíam mais que mais

(a bartleby)

2 comentários:

Akemi Aoki disse...

André, não li todos os seus poemas, mas gostei dos que li. Gosto dos seus jogos de palavras. Achei isso "o maior mudo de todos
ele não era mudo: era mutista
porque mudava voluntário" muito bom - queria ter escrito. :)

Maintenant je te suis ;)

Beijos

b. disse...

amei a ultima estrofe.
mas para bom entendedor meia palavra basta né hehe :P